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O país da Liberdade, Igualdade e Fraternidade sofreu um duro golpe com os atentados que fizeram 130 mortos, num ataque que atingiu a Europa no seu coração e nos seus princípios civilizacionais.
A luta contra o Estado Islâmico e a tentativa de destruição do Daesh está em marcha. O Presidente Francês, Francois Hollande, declarou o estado de guerra. Fecharam-se fronteiras e cidades, como Paris e Bruxelas, decretaram o risco máximo de ataque terrorista, alertando para a putativa utilização de armas químicas. A Europa está em pânico! Os atentados vieram agravar a crise dos refugiados que tem preocupado os líderes europeus que tardam em encontrar uma solução conjunta e duradoura, consubstanciada numa estratégia de médio e longo prazo. Entretanto, a livre circulação de pessoas, no Espaço Schengen, tem vindo a ser questionada e alguns países já criaram barreiras, muros anti-emigrantes, que impedem a transposição das suas fronteiras.

A Europa denota uma enorme debilidade securitária e tem-se revelado incapaz de responder aos problemas resultantes do terrorismo, tráfico humano e imigração clandestina. Paralelamente, os extremistas ganham terreno. A extrema-direita francesa não perdeu tempo para “cavalgar” a onda motivada pelos ataques jihadistas. A este respeito sugiro a leitura do livro Submissão, do autor francês Michel Houellebecq, que convida a uma reflexão sobre o convívio e o conflito entre culturas e religiões, desafiando a relação entre Ocidente e Oriente e entre cidadãos e instituições.

O sapiente padre e escritor António Vieira (1608-1697) distinguiu os brutos dos homens: “Os brutos distinguem-se dos homens, em que esses homens se governam pelo entendimento e os brutos pelos sentidos.”.

Faço votos para que os líderes europeus se entendam e não permitam que os extremismos, de esquerda e de direita, se imponham, pondo em causa o modo de vida europeu e ocidental, castrando liberdades e garantias, agudizando o sentimento xenófobo, a proliferação e o robustecimento de ideologias anti-emigração.
Importa sublinhar que, em 2014, 7% da população da União Europeia era já constituída por migrantes. Um valor considerável mas, como refere Nuno Rogeiro, especialista em assuntos estratégicos e geopolítica, no seu mais recente livro Menos que Humanos: imigração clandestina e tráfico de pessoas na Europa, “trata-se apenas de metade do número americano e um terço dos números do Canadá e da Austrália.”

De acordo com os recentes dados (Julho de 2015) plasmamos no relatório(1) do Observatório da Emigração(2), Portugal é hoje o país da União Europeia com mais emigrantes em proporção da população residente. O número de emigrantes portugueses supera os dois milhões, o que significa que mais de 20% dos portugueses vive fora do país em que nasceu. A França continua a ser o país do mundo onde vivem mais emigrantes portugueses (592,281 em 2011) e a Suíça surge em segundo lugar, com mais de 210 mil emigrantes portugueses (211,451 em 2013). Ainda com mais de 100 mil emigrantes portugueses residentes encontramos, por ordem decrescente, os EUA (177 mil em 2014), Canadá (140 mil em 2011), Brasil (138 mil em 2010), Espanha (117 mil em 2014), Alemanha (107 mil em 2014) e Reino Unido (107 mil em 2013).

Sou filho, irmão, cunhado, tio, padrinho, sobrinho e primo de emigrantes. Tenho familiares a residir na Alemanha, França, Suíça e Brasil. Também já fui emigrante, ainda que sazonal, enquanto estudante universitário. Todos os anos rumava à Alemanha, no período de férias escolares para trabalhar na firma de limpezas Kleesattel, em Stuttgart, a cidade da Mercedes e da Porsche. O dinheiro que ganhei permitiu-me ajudar a minha família a suportar as despesas associadas ao curso universitário. Foi uma experiência extremamente enriquecedora. O contacto com o mundo do trabalho, com colegas de outras nacionalidades e com diferentes culturas contribuiu decisivamente para o meu desenvolvimento enquanto homem e profissional. Portugal poder-se-á considerar novamente um país de emigração. O Relatório da Emigração elaborado pelo Governo, relativo a 2014, revela que 110.000 portugueses deixaram o nosso país. Os principais países de destino são, na Europa, o Reino Unido e, fora do “velho continente” Angola, um dos países que integra a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)(3).
Este novo fluxo migratório poder-se-á justificar com a crise das dívidas soberanas e os efeitos recessivos das políticas de austeridade que terão contribuído também para a diminuição do número de imigrantes. Assim se justifica, no plano demográfico, a atual dinâmica migratória claramente recessiva. Segundo dados do Eurostat(4) de 2013, Portugal tinha um saldo migratório negativo superior a 36 mil indivíduos. Em 10 anos, entre 2004 e 2013, Portugal passou a ser um dos países europeus com saldo mais negativo em termos absolutos.

No que concerne ao Canadá, em 2013, o número de entradas de portugueses totalizou 629, mais 12.3% do que em 2012 e representaram 0,2% do total de entradas de estrangeiros no país. O número de portugueses emigrados no Canadá diminuiu ligeiramente numa década, passando de 153,530, em 2001, para 140,310, em 2011. O decréscimo significa que as novas entradas de portugueses durante estes anos foram insuficientes para compensar o número de regressos e de mortes de portugueses emigrados no Canadá.

O medo do desconhecido, do “outro”, da diferença, não pode desequilibrar a balança em desfavor da solidariedade, da liberdade, da livre circulação de pessoas e da busca de uma vida melhor. Somos “bombardeados” todos os dias com a histeria mediática com os milhares de “refugiados”; a possível vinda de “terroristas”; a “invasão” da Europa; o perigo da “islamização”… Só temos uma resposta a dar, acolher quem sonha com uma Europa que é o continente dos Direitos Humanos, da Solidariedade e do são convívio multicultural. Não nos podemos deixar amputar pelo medo. Devemos receber cada pessoa como desejamos que nos recebam a nós e aos nossos familiares quando emigram. Nós, portugueses, povo de emigração, temos o dever de contribuir para a construção de um futuro com e para todos. Não nos esqueçamos, nem por um segundo, que vivemos, na atualidade, a maior crise humanitária na Europa desde a II Guerra Mundial. Sou cidadão de uma Europa que salva e não de uma Europa que deixa morrer. Sou português e europeu, mas, acima de tudo, sou humano e quero, em Portugal ou em qualquer outro território, contribuir para um mundo mais justo e igualitário, a exemplo do que fazem muitos portugueses espalhados pelo mundo.

(1) Pires, Rui Pena, Cláudia Pereira, Joana Azevedo, Inês Espírito Santo, Inês Vidigal e Ana Cristina Ribeiro (2015), Emigração Portuguesa. Relatório Estatístico 2015, Lisboa, Observatório da Emigração e Rede Migra, CIES-IUL, ISCTE-IUL, e DGACCP.
(2) http://observatorioemigracao.pt/
(3) Países da CPLP: Angola, Brasil, Portugal, Moçambique, Timor-Leste, Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Guine Equatorial, São Tomé e Príncipe.
(4) http://ec.europa.eu/eurostat/web/main/home

 

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Por: Dr. José Carreira

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