À Conversa com Cristina Martins
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À Conversa com Cristina Martins

 

Atual deputada do Parlamento Provincial em representação da área de Davenport, Cristina Martins tornou-se a primeira mulher luso-canadiana eleita como membro do governo do Ontário, em 2014.
Um facto histórico e de grande relevo, quando se sabe que a representatividade política portuguesa no Canadá é ainda relativamente curta, abrindo espaço para um maior compromisso cívico e político da comunidade portuguesa, em largo número neste país, particularmente na província do Ontário.
Ela serviu também como Assistente Parlamentar do Ministro da Cidadania, Imigração e Comércio Internacional e atualmente é Assistente Parlamentar do Ministro de Desenvolvimento Económico e Crescimento.
Antes de entrar na vida política, Cristina Martins desempenhou o papel de presidente da Federação de Empresários e Profissionais Luso-Canadianos durante 4 anos e meio, tendo servido anteriormente como um elemento da direção.
Formada em Ciências pela Universidade de Ryerson, em Toronto, Cristina Martins tem uma ampla experiência na indústria farmacêutica, abrangendo mais de quinze anos de trabalho no Canadá, EUA e na Europa (Portugal). Ela trabalhou em áreas como controle de qualidade, assuntos regulatórios, pesquisa clínica, economia da saúde e assuntos corporativos.
Cristina Martins nasceu em Gouveia, Portugal e veio para o Canadá com a sua família em 1970. Ela é casada com Fernando Martins e tem dois filhos, André Daniel (12 anos e meio) e David José (11 anos).
É precisamente este cordão tríplice de mulher-esposa-mãe que fundamenta esta entrevista com Cristina Martins, uma luso-canadiana que nutre um profundo sentimento de ligação a Portugal, mas que assume com toda a dedicação um mandato político de representação da Davenport, a área com o maior número de luso-canadianos no Ontário, sendo uma voz forte no Queen’s Park.
Um testemunho franco e aberto de uma mulher que “cai que nem uma luva” na edição de maio, um mês dedicado a Maria, mãe de Jesus Cristo, segundo a Igreja Católica, em que se celebra o Dia da Mãe, uma data comemorativa em que se homenageia a mãe e a maternidade.

Revista Amar – Emigrou com a sua família de Portugal em 1970. Fale-nos um pouco dessa sua experiência de vida e como foi a adaptação ao Canadá.
Cristina MartinsNasci em Gouveia, Distrito da Guarda. Tinha 4 anos e meio quando emigrei para o Canadá. Não me recordo muito desse tempo nem como foi a minha adaptação, mas lembro-me bem de chegar a casa, depois do meu primeiro dia de escola, a chorar porque não percebia os outros meninos.

RA – Foi fácil para si absorver uma nova cultura e novos métodos de ensino?
CMComo tinha apenas 4 anos e meio, e como as crianças têm uma tendência a se adaptarem com mais facilidade, creio que comigo aconteceu o mesmo. A não ser naquele primeiro dia de escola, adaptei-me bem à minha nova cultura.

RA – Nesse período de tempo, a sua relação com Portugal ficou mais distante?
CMNaquela altura, o mundo parecia maior e não havia os mesmos meios de informação e comunicação. Não existia a internet, o Facebook ou o Skype. Por isso, tudo era mais distante. Mas nunca deixei de ter Portugal no meu coração.

RA – E hoje, passados estes anos todos, que lugar ocupa Portugal no seu coração?
CMPortugal será sempre o meu país – o país onde eu nasci. Tenho muito orgulho em ser Portuguesa e Portugal mantém um cantinho muito especial no meu coração.

RA – Entretanto, tira um curso em Ciências, na universidade de Ryerson. Por que decidiu escolher esta área académica?
CMSempre gostei das ciências. Tinha, e tenho, familiares que são farmacêuticos e inicialmente queria seguir o mesmo curso. Mas acabei por seguir o curso de Química aplicada e Biologia e eventualmente acabei a trabalhar na indústria farmacêutica.

RA – Trabalhou durante quase 15 anos no setor da saúde (indústria farmacêutica). Isso ajudou-a de alguma forma a fortalecer a sua personalidade e a prepará-la para a vida social e política ativa?
CMPenso que qualquer experiência na vida ajuda a formar a pessoa que somos. Aprendemos sempre coisas ao longo da vida que um dia nos vai ser útil. Aprendemos sempre habilidades que podem ser aplicadas em várias situações e transferidas de uma situação para outra. Quando comecei a trabalhar na indústria farmacêutica foi num laboratório no Departamento de Controlo de Qualidade. Depois passei para o Departamento de Assuntos Regulatórios, onde tinha que lidar com a Health Canada, e enquanto trabalhei na sede da empressa nos Estados Unidos, lidava com o FDA. Quando fui trabalhar para Portugal (1998-2003), foi para o Departamento Médico onde trabalhei em ensaios clínicos espalhados pelo país e a lidar com médicos e especialistas nacionais e europeus, muitos deles líderes nas suas especialidades. Depois de tirar um curso intensivo em Estocolmo, em Economia da Saúde, comecei a trabalhar nesta área. Aí, já tinha que lidar diretamente com o INFARMED e o Ministério da Saúde para defender os fármacos da empresa.
Todas estas experiências, de uma forma ou outra, diretamente ou indiretamente, tiveram um impacto na minha personalidade, na minha maneira de enfrentar a vida e situações, na minha maneira de lidar com as pessoas e na pessoa que sou hoje.

RA – Passou vários anos a trabalhar no exterior, antes de regressar a Toronto para criar uma família. O que recorda como mais positivo desse período da sua vida?
CMForam quase 5 anos fora do Canadá, onde eu ganhei não só experiências profissionais, mas também aquelas tais experiências das quais eu acabei de falar que me ajudaram a ser a pessoa que sou hoje. Também fiz muitas amizades durantes esse período, muitas das quais me recordo com saudades e muitas das quais eu ainda mantenho hoje. Foi um período lindo da minha vida.

RA – Cristina Martins é uma ex-presidente da Federação de Empresários e Profissionais Luso-Canadianos, este ano a celebrar 35 anos. Durante o seu mandato, quais foram as principais medidas que procurou concretizar?
CMÉ com apreço que me lembro do tempo em que fiz parte da FPCBP – primeiro como Diretora seguido por quase 5 anos como Presidente. Todos os anos, a FPCBP celebra o nosso futuro com a apresentação das suas bolsas de estudo. Devo dizer que um dos principais destaques para mim como presidente foi dar continuidade ao programa de bolsas de estudo mais antigo e maior da comunidade Lusa-Portuguesa. Posso dizer, honestamente, como eu ficava impressionada, ano após ano, com o calibre de todos os candidatos e completamente inspirada pelos seus exemplos de liderança e envolvimento na comunidade.
Mas o ano de 2011, foi o ano mais marcante para mim, já que foi quando a parceria entre a FPCBP e a NOVA School of Business and Economics foi estabelecida. Desde essa altura, a NOVA-SBE concedeu mais de 8 bolsas de estudo aos nossos estudantes luso-canadianos para se matricularem em qualquer um dos três programas de mestrado da NOVA-SBE em Lisboa. Essas bolsas realmente enriqueceram o nosso programa de bolsas de estudos e fico contente que esta parceria entre a FPCBP e a NOVA-SBE continua ainda hoje.

RA – Acredita que podia ter feito mais e melhor?
CMDei o meu melhor na Federação. A Federação é uma organização dinâmica da nossa comunidade, mas é importante notar que a Federação é uma organização sem fins lucrativos e que todos que fazem parte da direção da Federação são voluntários. Eu fiz aquilo que me era possível, com os recursos que a Federação tinha e continua a ter. Agora, se os recursos fossem outros, talvez pudesse ter feito outras coisas. Mas fico contente com o trabalho que eu e os meus diretores fizemos.

RA – Como avalia o trabalho que vem sendo desenvolvido pela atual presidente da federação, Michelle Jorge, e o seu executivo?
CMPenso que a Michelle Jorge e o seu executivo estão a fazer um bom trabalhou e a seguir os passos de todos que já fizeram parte da Federação.
Como membros de um dos maiores grupos culturais no Canadá, a comunidade portuguesa tem muita coisa de que se orgulhar. Penso que com todos os nossos esforços, a Federação pode continuar a perseguir os seus objetivos, pode continuar a crescer e a florescer e assumir novos desafios em benefício da nossa comunidade.
Gostava de deixar aqui o meu reconhecimento e agradecimento aos fundadores da FPCBP pela sua liderança e visão de criar uma organização que há 35 anos, tem participado ativamente na promoção da comunidade empresarial portuguesa no Canadá, na promoção da excelência académica entre os estudantes luso-canadianos e na integração da comunidade portuguesa no Canadá. Eu também gostava de reconhecer e agradecer a todos os ex-presidentes e ex-diretores da FPCBP que, ao longo dos anos, deram generosamente o seu tempo e energia para a FPCBP – para sua causa e para a melhoria da nossa comunidade.


RA – Esteve ligada ao mundo empresarial, mas decidiu apostar na vida política. O que a motivou a optar por esse caminho?
CMPor vezes a vida apresenta-nos situações e caminhos a seguir. No meu caso, e neste momento, foi de seguir a vida política. Temos uma comunidade grande e bem estabelecida, mas com pouca representação política. Por isso, podendo contribuir para o melhoramento da nossa comunidade com uma voz portuguesa, aceitei o desafio. É também uma forma de retribuir ao país que acolheu a minha família.

RA – Nunca lhe passou pela cabeça lutar por outro círculo eleitoral que não este?
CMNunca. Eu fui criada em Davenport e é onde fica o coração da comunidade Portuguesa da qual eu tenho muito orgulho de representar no Queen’s Park. Os meus laços à Davenport e à comunidade são bastante profundos.

RA – Cristina Martins foi eleita primeiramente para a legislatura do Ontário em 2014 como um membro do parlamento provincial em representação da Davenport. Nestes quase três anos, sente que alcançou os principais objetivos a que se propôs?
CMPenso que sim, embora ainda tenha mais trabalho a fazer. Desde o início, foi sempre a minha intenção de representar da melhor maneira as pessoas da Davenport e lutar pelos seus intresses. As questões da imigração, dos seniores, da educação, do transporte e da habitação têm sido alguns dos assuntos que eu tenho mais discutido e apresentado.
Tenho muito orgulho em ser a primeira mulher luso-canadiana a ser eleita no Governo e de representar o círculo eteitoral com o maior número de portugueses e luso-descendentes em toda a província, aliás, em todo o Canadá! Tenho muito orgulho em representar a minha comunidade e em ser a voz da nossa comunidade no Queen’s Park.

RA – A educação é uma questão particularmente apaixonante para si. Quer explicar?
CMPenso que a educação é bastante importante – é a nossa arma e um poder bem forte. A educação pode não ser a chave para a felicidade, mas definitivamente é a chave para uma série de outras coisas que juntamente nos pode fazer felizes. Para sermos felizes, temos de nos sentir bem por dentro. Para nos sentirmos bem por dentro, temos de ter uma mente estável e uma vida equilibrada – temos de ser auto dependentes. Uma boa educação traz-nos mais segurança no trabalho, menos sentidos ou complexos de inferioridade e dá-nos uma forma e compreensão diferente do mundo.
E quando o povo de uma nação é educado, ele torna-se autossuficiente. É uma sociedade economicamente independente que leva a um crescimento económico da nação. E o sucesso económico de uma nação reverte novamente para o bem-estar da sociedade em geral.

RA – Nem só de trabalho vive o homem, lá diz o ditado. Como é que ocupa os seus tempos livres?
CM – Infelizmente os meus tempos livres são poucos!!! Mas qualquer bocadinho que tenho é sempre para a minha família, principalmente os meus filhos. Costumo dizer que sou política, sou esposa, mas acima de tudo – sou mãe!!! Para mim, este é o papel mais importante da minha vida. Por isso, qualquer tempo livre que tenho é para estar com os meus filhos – ir ao cinema, ver um filme em casa, ver o programa de televisão favorito deles, com eles, ou fazer-lhe os seus pratos favoritos.

RA – É verdade que gosta muito de cozinhar?
CM – Sim, gosto muito de cozinhar. Não sou muito para fazer bolos ou doces, embora de vez em quando faço uma mousse de chocolate, mas sim um arroz de polvo, um arroz de pato ou um bacalhau com natas, isso sim. A nossa culinária é tão boa!

RA – Quando conheceu Fernando Martins (advogado), o seu marido, soube desde logo que ele era o homem com quem queria casar e ter filhos?
CM – Não sei se foi logo, mas sei que foi pouco depois!

RA – Como consegue conciliar as suas responsabilidades de esposa e de mãe, num contexto profissional que ocupa muito do seu tempo diário?
CMFelizmente tenho uma família que me apoia imenso. Tenho um marido compreensível e que me ajuda imenso, seja com uma palavra de apoio naqueles dias mais difíceis ou com os nossos filhos. E tenho de certeza os melhores pais do mundo, que me ajudam incondicionalmente. São eles que estão presentes quando os meus filhos chegam da escola e que muitas vezes ajudam com o jantar. E depois tenho os meus filhos, que embora com apenas 12 anos e meio e 11 anos de idade, também compreedem que os meus dias de trabalho são longos e que tenho muitos eventos, mesmo durante os fins de semana, mas que ao fim do dia me apoiam também. O apoio que tenho à minha volta facilita a conciliação das minhas responsabilidades. E quando tenho aqueles tempos livres e estamos juntos fazemos com que esse tempo junto, conte!

RA – No dia 14 de maio, celebra-se mais um Dia da Mãe no Canadá. É um momento do calendário anual que a deixa emocionada e sem palavras?
CMO Dia da Mãe foi sempre um dia muito especial para mim. São as nossas mães que nos inspiram a aprender e a tomar conta dos próximos. São as nossas primeiras professoras. Muitos de nós não seríamos nada se não fosse as nossas mães. E embora nós devemos homenagear as nossas mães todos os dias, o Dia da Mãe é um dia bem especial para eu poder reconhecer e agradecer à minha mãe o quão especial que ela é, não só para mim, mas para toda a família. Como mãe, compreendo melhor os sacrifícios que a minha mãe fez e continua a fazer para a felicidade da nossa família.
Obrigada mãe, és a minha inspiração e a minha heroína!

RA – Há algum presente que a tenha feito chorar de alegria neste dia, por exemplo, vindo dos seus filhos, David José e André Daniel?
CM – Não sei se há apenas um presente ao qual me posso referir. Adoro os cartões feitos pelas mãos deles, os presentes que eles me fazem na escola, seja colocar as cores, umas flores de papel ou uma jarra de flores pintada por eles. Todos os dias, os meus filhos trazem-me alegrias! Eles são a minha vida e a minha alegria!

RA – Criada com as tradições e bons costumes portugueses, é fácil incuti-los aos seus filhos?
CMPenso que sim. Além das tradições e bons costumes portugueses, eu fui criada numa família com muito amor e compreensão, onde a família sempre foi o centro de tudo que fazíamos. Eu continuo a incutir a importância da família aos meus filhos e fazemos por fazer muitas coisas juntos, sempre quando possível.

RA – O David José e André Daniel frequentaram aulas de português. Eles gostam de falar a língua de Camões?
CM – Acabei de lhes perguntar e eles disseram-me que “sim”, que gostam de falar português! Disseram que é bom saber falar mais do que uma língua e é mais fácil quando vão a Portugal, para poderem falar com os primos.

RA – O que significa Portugal para eles?
CMEles dizem que é o país onde a família deles nasceu e que faz parte da sua herança. Embora tivessem nascido em Toronto, eles dizem que são canadianos e portugueses ao mesmo tempo.

RA – O futuro a Deus pertence, mas teme que as novas gerações, onde se incluem os seus dois filhos, tenham dificuldade em viver neste mundo cada vez mais impessoal e turbulento, e onde o digital e a robotização serão fatores a ter em conta no mercado de trabalho?
CMO mundo está realmente diferente e cada vez mais com as novas tecnologias. Em casa, temos uma regra em que os jogos eletrónicos só saem aos fins de semana e com alguma moderação. Fazemos questão de falar muito com os nossos filhos para que eles não percam a capacidade de comunicar cara a cara. Em relação ao novo mercado de trabalho e ao novo mundo digital, penso que as gerações de hoje estão bem posicionadas para enfrentarem estes novos desafios, já que vão acompanhando os avanços tecnológicos por perto. A maioria das escolas estão equipadas com computadores e “tablets”. Os trabalhos de casa já nos chegam através da Google Classroom e muito desse trabalho tem de ser feito ao computador e depois transferido para uma USB. Todas as gerações têm os seus desafios.

RA – A Cristina sempre manteve uma forte ligação com a comunidade portuguesa. O coração fala mais alto?
CMPor vezes! Tenho muito orgulho em ser portuguesa e farei sempre tudo para que a minha comunidade, a nossa comunidade, continue sempre forte, unida e bem vista perante as outras comunidades.

RA – Uma mensagem final que queira deixar para a comunidade portuguesa.
CMGostava de agradecer todo o carinho e o apoio que continuo a receber da comunidade portuguesa. Do fundo do coração, um grande bem-haja!!
Gostava também de reconhecer e agradecer à comunidade portuguesa que todos os dias trabalha para dignificar a nossa comunidade, para que ela seja uma comunidade que contribui significativamente para a nossa província. Regozijo-me das muitas contribuições sociais, económicas e políticas de luso-descendentes na comunidade canadiana. Continuem sempre a lutar pelos seus objetivos e mantendo-se sempre uma comunidade forte e unida.

Fotografia: Pedro Marques 2017 para a Revista Amar

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