E agora só nos restou um vazio...
Psicologia

E agora só nos restou um vazio…

Pensei muito antes de começar a escrever este texto. Queria que fosse primeiro de tudo leve, passional e verdadeiro… então resolvi contar uma pequenina história.
Tudo começou numa manhã de inverno, daqueles dias chuvosos e frios, que o vento corta a alma e rasga toda nossa vontade de sair de casa. Mas era um dia longo que vinha pela frente, muitas coisas a fazer, mil planos, uma agenda cheia com horários para tantas atividades que até que se fossem poucas, 24horas pareceriam insuficientes. Esses casos que os planos foram feitos há tanto tempo, tudo medido, pensado para serem realizados ao pormenor. Um sonho, um desejo… tudo alimentando aquele simples dia de inverno.

Todos estão acordados e se reúnem no pequeno almoço como habitualmente. À volta da mesa as crianças correm, brincam desnorteando o pai que tenta-se arranjar para seguir para o trabalho, hoje é um dia importante na sua carreira profissional. A mãe prepara os lanches para levarem para escola, colocando as mochilas ao pé da porta. Comem naquele alvoroço o pequeno almoço. Falam e riem, contam as suas expectativas para aquele dia. O pai tem uma reunião importante na firma, talvez seja promovido, pode ser que seja desta! A mãe tem milhares de testes para corrigir e os seus alunos não estão a ser nada fáceis este ano, mas acha que afinal nunca são. A filha está muito ansiosa com a sua primeira apresentação no teatro da escola e tem ensaios hoje, já o filho mais velho precisa de umas chuteiras novas pois vai ter um jogo importante no sábado. Cena de uma família tradicional e funcional… todos entram no carro. O pai ansioso, conduz como sempre para deixar a mãe na escola onde leciona há tantos anos, dizendo sempre estar farta e cansada, seguindo para deixar as crianças, que guerreiam uma com a outra, implicando por tudo e por nada, não páram quietos…nesse dia não houve aulas para elas, nem a promoção na empresa… nesta vida não haverá mais nada.

Como lidar com a perda dos sonhos, dos planos, da agenda cheia de compromissos que não vão existir mais?! Como compreender e aceitar que não haverão mais pequenos almoços barulhentos, que irritavam tanto com a demora, com os atrasos… como olhar para a porta e ver que ela está fechada, mas mesmo que se abra não vai entrar quem queremos. E a vida não será como antes, não terá a mesma cor, o mesmo sabor, os mesmos sons, nem os olhares sorridentes?!!

Passa-se por uma reação psíquica determinada pela experiência da perda que se chama luto, este será vivênciado em cinco fases ou estágio: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. Segundo autores da psicologia, pelo menos por duas delas iremos atravessar. De uma forma bem breve e simples irei descrever aqui como são. A primeira fase, a da negação será aquela em que não somos capazes de acreditar que houve de verdade uma perda, neg-sea a existência da situação muitas vezes comportando-se como se não tivesse ocorrido nada. A segunda fase, a da raiva é de facto quando percebemos que houve a tal perda e isso nos tira o discernimento das atitudes, nos causa fúria, ressentimentos, revolta, inconformidade e até mesmo injustiça, muitas vezes da parte divina. A terceira fase será a negociação, onde tentamos negociar um regresso ao passado, encontrar uma alternativa para reverter a situação até mesmo, e novamente, de forma divina. A quarta fase será a mais complicada, a da depressão. Esta surge quando o indivíduo toma consciência de que a perda é inevitável e incontornável. Sente-se o “espaço” vazio da pessoa que se perdeu e percebe-se que não há como fugir da falta. Toma-se consciência de que nunca mais se verá aquela pessoa e, com a sua ausência, todos os sonhos, projetos e todas as lembranças associadas a essa pessoa adquirem um novo valor. Nessa fase, ocorre um sofrimento profundo. Tristeza, desolamento, culpa, desesperança e medo são emoções bastante comuns. É o momento em que acontece uma grande introspeção e necessidade de isolamento. As pessoas viram-se para o seu mundo interior, isolando-se, sentindo-se melancolia e impotência perante a situação. Então surge a última fase, a aceitação. Quando finalmente compreendemos que existe uma perda e que esta não será reversível, que essa pessoa que perdemos nunca mais vai voltar para o nosso meio e temos que seguir com a nossa vida…

Como explicar às crianças que existe sim essa finitude na vida, que pode num instante acabar?! Explicando de maneira clara, verdadeira e simples, usando uma linguagem acessível, sem eufemismos. Poupar os pequenos inventando histórias não trará benefícios. Explicando que é algo natural da vida, comum a todos seres vivos, plantas, animais, pessoas… que estas já não sentem dor, não respiram, etc. Que será feita uma cerimónia (deverá ser explicada antes) para colocar o seu corpo que já não tem mais vida, que não está mais funcional, nesta hora devemos-nos despedir dessa pessoa, guardar boas lembranças e que é natural que fiquemos tristes e com saudades. Que poderemos sempre falar dessa pessoa e lembrar como era antes, mas que não poderemos mais conviver com ela. Também nessas horas, para quem acredita nalguma religião, haverá muitas explicações. Cada criança tem uma reação diferente, na verdade ninguém está preparado para dar ou receber uma notícia dessas, mas o acolhimento e suporte será fundamental para seu amadurecimento emocional. Aprender a aceitar a morte é uma das lições mais duras e importantes para uma criança. Esta deve passar pelo luto igual ao de um adulto, sendo que muitas das vezes deverá ser ajudada e apoiada para passar por essas fases de forma saudável. As fases na infância serão desenvolvidas de acordo com a faixa etária de maneiras muito próprias. Nunca se deve esconder de uma criança a perda que houve, ela tem o direito de saber. A sinceridade só lhe servirá para elaborar a morte de maneira mais natural. Claramente deve-se ter algum cuidado ao contar para que não seja de todo um choque traumático e que não haja distorção dos factos, fornecendo-lhes significados e significância para o acontecimento. Todos quanto precisar. O imaginário das crianças por vezes levá-las para um nível muito abstrato (isto no caso de crianças com menos de 10 anos, pois a partir mais ou menos dessa idade já conseguirão trazer o seu entendimento para um nível mais concreto e antes dos 4 anos a criança também não terá condições de entender bem as relações com a vida, contudo todas merecem saber) e de difícil compreensão para elas próprias, gerando uma confusão de sentimentos, construindo seus próprios conceitos. Serão de facto conceções muito complicadas para uma compreensão fácil, mas sendo bem apoiadas e conduzidas ao entendimento poderão encontrar uma solução saudável para a falta que a perda irá fazer, sempre dando atenção aos seus sentimentos, à maneira que os expressa e se os expressa, tudo deve ser levado em consideração e nunca ignorado. É necessário que demonstrem todas suas dúvidas e que sejam tiradas, que não haja lacunas para se desenvolveram mecanismos com um potencial muito negativo que pode afetar o seu comportamento. Não deverão ser forçadas a ir a funerais, mas também não será mau se quiserem ir. Respeite o seu tempo. Uma criança em luto precisa ser vigiada de forma a conseguir voltar a sua estabilidade interna de maneira sádia, utilizando os recursos que sua faixa etária permite. Caso se perceba algo em conflito procure ajuda profissional.

Nunca será fácil conviver com uma perda na nossa trajetória. Não é somente uma vida que deixa de existir, mas há uma história aliada, vivências em comum, planos e sonhos. Memórias que jamais serão apagadas e que deixarão saudades, palavra que nem tem uma tradução direta… uma dor que abranda, mas que não finda. É importante vivênciar este luto. A superação leva o seu tempo. Pode até nunca chegar. Muitas vezes é preciso recorrer a ajuda psicológica. Superar não será fingir que não aconteceu, nem é esquecer. É retomar o seu caminho, agora com uma nova configuração, com novas rotinas, buscando evitar maus pensamentos, encontrando bons sentimentos que devem ser mantidos… respirar fundo e recomeçar. Entender que as perdas acontecem para todos infelizmente e que o sofrimento é inerente a condição humana. Mas pode sim ser amenizado. Tudo nesta vida é passageiro. E ao acreditar que a vida é feita desses momentos que não sabemos o quanto duram. O melhor é mesmo viver como se já não houvesse amanhã, sendo feliz hoje, dando aquele abraço a quem se gosta hoje, se não puder só lhe diga, faça chegar a quem você ama o seu amor, HOJE! Amanhã não sabemos onde estamos nem como estamos. Permita-se ser feliz com as pequenas oportunidades que se atravessam no seu caminho. Veja bem e encontre beleza no que possui. Só o facto de poder ler este textinho já será um bom sinal, que está VIVO!!!

Acho que não fui tão leve como gostaria, pois, é um tema muito doloroso e consequentemente pesado, difícil de ler, aceitar e interiorizar. Mas é preciso falar neste género de temas também. Falar sempre será a melhor maneira de se elaborarem respostas, meios, alternativas… expressar o que sentimos será sempre a melhor maneira de se aliviar um coração partido, magoado. Doar amor sempre será a melhor cura para alguém e com certeza será devolvido em dobro…

Um bem-haja nos vossos corações.

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