Cadê a cultura?
Arte & Cultura

Cadê a cultura?

Das muitas ideias existentes acerca da expressão ‘cultura’, a qual remonta aos romanos (do latim, culturae –ação de cultivar) e cultivar conhecimentos, dos gregos, e, posteriormente, na Era do Iluminismo: a razão e a ciência, século XVIII (e, insisto, por sua extensa abrangência), vale a pena fazer um recorte, até certo ponto, e localizar especificamente a dedicação sobre as várias artes e a história, o suporte tanto à civilização quanto ao complexo aprimoramento da humanidade, observando a inevitável lentidão com que se dá o processo evolutivo, e seus infelizes períodos de apatia e até de retrocessos quando sistemas altamente controladores e guerras interrompem a jornada do desenvolvimento por imporem o reajuste adaptativo e a concentração às causas primárias da sobrevivência.

Mas por que não aplicar também o conceito de cultura ao Paleolítico Superior, período pré-histórico no qual o ser humano já possuía farta porção de costumes e objetos (devidamente encontrados e registrados pela arqueologia e antropologia) relacionados à estética de influências mútuas entre os distantes grupos de coexistência na Europa, por exemplo? E mesmo que a recente teoria sobre a arte rupestre aponte os seus holofotes para um provável compartilhamento espiritual entre o homem e a sua intimidade religiosa somente, não residiu ai, justamente, um fator de reflexão humanística e avanço social no campo artístico?

Assim, ao voltarmos os nossos olhos ao presente, e em meio ao conjunto de itens culturais a bombardear as mentes a partir das políticas às quais nos submetemos como bons ouvintes das suas propagandas, como e sob que pretexto tencionamos separar esta ou aquela definição de cultura, a fim de alcançar o entendimento adequado às nossas necessidades humanas pessoais e comunitárias? Que tipo de cultura estamos digerindo, ou a que tipo de cultura mais preciosa seria útil nos lançarmos, ainda que neste movimento resida a exigente devoção típica dos custosos empreendimentos de alta qualidade a que temos pleno direito?

Que sorte tem encontrado a diversificada cultura artística em nossos modelos contemporâneos de sociedade? Mais: o que dizer a respeito do passado já esquecido, cuja história sempre foi o alicerce dos degraus subsequentes? Se o ontem não interessa, como é comum de se ouvir, o que seriam dos campos tecnológicos que tanto favoreceram a medicina e outras áreas? Selecionamos (sem o perceber devidamente) convenientemente que trecho do pretérito é útil ou não? Como classificar os efeitos das muitas raízes artístico-intelectuais ao longo dos séculos? Teriam eles um papel fundamental até certo tempo e então perderam quase que completamente o seu poder de frutificar prosperidade civilizatória através da educação e dos valores essenciais (quiçá espiritual)? Não é a arte um alimento ao espírito? Temos fome dela sem enxergar a questão, resultando em uma espécie de vazio existencial, para além de outras urgências?

É claro que há os exageros nos apontamentos de consideráveis pensadores modernos, que tratam o mesmo assunto sob o manto do saudosismo crítico, indo um pouco além da ponderação necessária, embora respeitável pelo raro ato de se debruçarem e escreverem acerca do árido tema. Mas a questão permanece, ou melhor, pode ser reformulada: culpa-se a cultura pelo seu “natural” declínio e impotência, ou observa-se a mudança conveniente popular, cujo distanciamento é senão uma aproximação aos comportamentos parcialmente mecânicos (e outros inconscientes) em resposta aos apelos superficiais das propagandas externas e da profunda comodidade interna biológica? Duas forças poderosas, sim, mas não invencíveis. Cadê a cultura?

Armando Correa de Siqueira Neto

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