Feliz Natal...
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Feliz Natal…

No Natal as casas vestem-se de amor, fraternidade, compreensão, família, gestos e afetos…
No Natal as montras vestem-se de todos os modelos e tentações… e os restaurantes apresentam um verdadeiro atentado ao pecado da Gula!

Não sendo eu de uma família religiosa, embora educada segundo a religião católica pois assim mandava o figurino, sou de uma família, muita família! Ou seja, o Natal era um momento em que nos sentávamos à mesa por vezes perto de 30 pessoas… Entre pais, tios, primos, avós, um ou outro estranho (mais ou menos), refiro-me a pessoas que por algum motivo estavam longe das famílias e que connosco passavam os natais. Embora não sejamos uma família religiosa, à nossa mesa houve sempre lugar para mais um, e acima de tudo muito respeito e bondade como prato principal. A minha mãe sempre foi uma pessoa muito prática e cozinheira de profissão, por esse motivo cozinhar e sentar à mesa 10 pessoas ou 30 para ela era igual. Já para o meu pai a felicidade sempre foi a casa cheia de familiares e amigos, adorava receber os amigos das filhas e contar as histórias de sempre com o seu toque inigualável de quem conta a façanha mais dramática da sua vida passada com umas nuances de Monty Python. (risos)

Para a família, foram sempre reservados os serões de Noite de Consoada até às 3 ou 4 da manhã… Entre mais um jogo de sueca, uma filhós, um abafado ou um whisky, vinham também o quebra-nozes e uma encharcada pois a doçaria conventual sempre marcou presença nas nossas mesas, o que eu dispensei toda a minha vida, por isso fui sempre conhecida como a Enjoada de Serviço!

A Noite de Natal começa sempre a ser preparada umas semanas antes, pois tem que se ver onde comprar o melhor bacalhau, o melhor cabrito, os camarões mais carnudos, o melhor pão de milho e começar a rechear a garrafeira com uns tintos entre o Douro e o Alentejo, uma Confraria, o branco leve do Cadaval, e uma Aguardente da Lourinhã, para a digestão.
A ementa lá em casa foi sempre muito diversificada e abrangente, curiosamente não há vegans nem vegetarianos…

Como entrada temos sempre camarões fritos, camarões com espinafres, queijos curados e “mal-cheirosos”, que são para mim os melhores, das regiões beirãs, o meu favorito o queijo de Azeitão, e ainda o requeijão de Seia com doce de abóbora e noz, ou numa versão mais gourmet, com figos em calda, feitos pela irmã mais velha.

Continuando nas entradas, chegam os salgados, pastéis de bacalhau, croquetes, rissóis de camarão, em nossa casa é estritamente proibido falar de rissóis de carne, é quase um pecado capital. Os rissóis são de pescada ou camarão. De carne existem os croquetes e os pastéis de massa tenra que são de comer e chorar por mais. Rissóis de carne é crime! A massa do rissól não casa bem com recheio de carne e para divórcios já bastam os dos humanos…

Temos ainda nas entradas as famosas tâmaras com bacon, a morcela com ananás e os ovos mexidos com farinheira.
Bacalhau com couves como manda a tradição e bacalhau com migas como mando eu! Ahahahahah

Perú, há sempre perú na nossa mesa, não sei muito bem porquê! A maior parte não gosta, a carne é seca e sem graça… Cabrito assado no forno com batatinhas e legumes ou borrego guisado, e saladas e pão e tudo e tudo…! É na parte que chega o borrego à mesa que eu fujo da mesa a sete pés! Nem o seu “perfume aromático me dá paz”! Ahahahhah (não gosto de borrego).

Agora já não há essas mordomias, mas lembro-me que em tempos idos, quando nós, os primos, éramos todos adolescentes, até bifes com batatas fritas as mães, que são a minha mãe e as minhas tias faziam! Ahahhahaha Há mães e Mães!
Quando chegamos à parte das sobremesas e já todos meio a rebentar, felizmente somos pessoas elegantes, mas espaçosos para abarcar tanta comida… ahahahah

Íamos então nas sobremesas, baba de camelo, bavaroise de pêssego, tarde de amêndoa, moloatofe, encharcada, papos de anjo, tronco de Natal e lampreia coberta de milhares de fios de ovos, outra especialidade da minha irmã do meio… Bolo-rei que sem os brindes que marcaram várias gerações não tem a mesma piada nem sabor! Nem sei se ainda mantêm a fava, ou a ASAE já acabou também com a fava do Bolo-rei?! Tarte pastel de nata, Mon Cheri e After-Eight para o café e no final só assim para entreter, os frutos secos! Convenhamos que Roma e Pavia não se fizeram num dia… E estes jantares são autênticas maratonas de conversa, são vários os contadores de histórias, mesmo que sempre as mesmas, adoramos! Para a minha família a mesa é um ritual de convívio, de partilha de afetos, momentos incomparáveis e “incompráveis”.

laro que o tempo vai avançando os nossos lugares foram dados aos nossos filhos, sobrinhos, filhos dos primos, alguns lugares foram infelizmente ficando vazios, essa é sem dúvida a parte mais penosa do Natal. Os lugares vazios à mesa, os pais que vão mudando de morada, e agora somos nós os responsáveis por contar as suas histórias aos nossos filhos e manter assim memórias vivas e eternas no livro da família.

Quando eu tinha uns 8 anos, lembro-me de ter “namorado” durante mais de 1 mês um xilofone que estava na montra do minimercado Serra da Neve, era o Jumbo lá do sítio e na época… (risos) Uns dias antes de Natal, tive um desgosto gigante. O xilofone já não estava na montra!!! Eu não ia receber o xilofone de prenda de Natal… Nem dormi de tristeza nas noites seguintes…

Vivíamos nessa época numa casa, quase senhorial, com algumas 10 divisões, uma escada de madeira que fazia caracol para o piso de baixo e que nós descíamos de rabo a escorregar por ali abaixo, como eram enceradas aquilo era uma diversão! Esta casa tinha uma particularidade única, uma mina que percorria vários túneis subterrâneos por baixo da vila do Cadaval, eu apenas entrei uns 2 metros, mais adiante tinha um corredor para a direita e outro para a esquerda que nem sequer nunca sonhei tocar… (medricas!)

Mas onde queria chegar, é que a casa tinha também uma chaminé antiga, onde nesta altura ainda colocávamos os sapatinhos, que podia ser versão bota ortopédica, pantufa, bota de cano alto, e o presente aparecia como que por magia dentro do “sapatinho” no dia 25 de dezembro, quando acordávamos… E tinha, o mais importante de tudo para esta data, um alçapão! Um alçapão graaaande por baixo da escada de madeira, onde a minha mãe ía escondendo as prendas que ia comprando nos meses que antecediam a noite de Natal…

Uns anos mais tarde, quando os presentes começaram a ser distribuídos depois do jantar, a minha Mãe abria o alçapão, que estava sempre fechado a cadeado nesta altura do ano e arrastava consigo um saco gigante de presentes que ía entregando a todos os membros da família.

Mas voltando atrás, naquele ano o xilofone estava no meu sapatinho, e hoje, 40 anos depois, recordo com um sorriso nos lábios a felicidade que senti nesse Natal.
Será que é disto que é feito o Natal, de memórias de infância guardadas para a eternidade?

Em memória do meu primoVirgolino Fonseca, dos avós Lourenço & Teresa, do meu Pai António Maria e do meu tio Joaquim Fonseca.

“Melhor do que todos os presentes por baixo da árvore de natal
é a presença de uma família feliz.”
Autor desconhecido

Cristina de Jesus

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