Histórias do Caminho de Ferro em Portugal - I
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Histórias do Caminho de Ferro em Portugal – I

Pouca Terra... Pouca Terra

Dou início à escrita de mais um artigo para esta publicação, sobre a História do Caminho de Ferro em Portugal. Longe vão os tempos do debate apaixonado sobre a construção do TGV, a terceira travessia do Tejo e o novo Aeroporto de Lisboa, um conjunto de obras pública adiadas devido à crise das dívidas soberanas. Novos estudos vem apontar para um forte investimento na ferrovia e na atividade portuária a nível nacional e internacional, como forma a diminuir a pegada de carbono, bem como combater as alterações climáticas a nível global. Segundo os mesmos estudos, Portugal deverá dar prioridade a modernização da linha do Norte e à linha da Beira Alta, como corredores estratégicos para a nossa ligação à Europa.

História do Caminho de Ferro na Europa

Como o próprio nome indica, a expressão “ Caminho de Ferro, refere-se a uma via de comunicação que em todo o seu percurso é constituído por duas barras de ferro paralelas, os carris, sobre as quais circulam veículos especiais, carruagens e vagões que são puxados por máquinas a vapor, diesel ou elétricas, às quais se dá o nome de locomotivas.

Foi Denis Papin (1647-1714), célebre cientista francês distinguido pela academia de Paris e pela Real Sociedade de Londres que, observando o poder mecânico do vapor comprimido, inventou a célebre “marmita de Papin”, abrindo assim as portas à investigação sobre a utilização da energia do vapor como substituto da força animal utilizada pelo homem.

A primeira locomotiva a vapor utilizada sobre carris foi construída por um engenheiro inglês chamado Richard Trevithic (1771-1833) em 1804, no país de Gales. A experiência no entanto não teve grande sucesso pois a máquina utilizada era muito pesada para os carris que tinham sido concebidos para vagões puxados por cavalos e partiram-se sob o peso excessivo desta locomotiva.

Passado um ano, o inglês George Stephenson construiu uma locomotiva mais eficaz para os carris das minas de hulha de Willington, em 25 de junho de 1814, a qual puxou oito vagões de 30 de toneladas à velocidade de 6,5 km por hora, um rendimento que triplicava a força produtiva do homem.

O nivelamento dos carris e as melhorias do aproveitamento do vapor produzido pela caldeira aumentaram o rendimento das primeiras locomotivas utilizadas na linha que ligava Darlington e Stockton, em Inglaterra, construída já com os carris feitos de ferro forjado, onde foi inaugurado o primeiro comboio de passageiros, em 27 de setembro de 1825.

A história do ramal de Viseu – Linha do Dão

Desde cedo que, a cidade de Viseu, advogou uma ligação ferroviária com a rede nacional de caminhos de ferro, como um passo decisivo nas relações daquela urbe com o resto do país. Para satisfação dos interesses e reclamações daquela cidade e região foi decidido pedir ao governo, que consigna-se, em 1876, a construção e exploração de um ramal de caminho de ferro, de via estreita, que, partindo de um ponto da futura linha da Beira Alta, fosse terminar na cidade de Viseu. A solução era considerada como inadiável e indispensável ao progresso e desenvolvimento do distrito e da cidade.

Perante a recetividade do monarca (D. Luís I) a este legítimo anseio dos viseenses, e tendo o governo a promessa do Chefe de Estado, a 9 de janeiro de 1883, foi pelos ministros da Fazenda e Obras Públicas submetida à discussão e aprovação da Câmara dos Deputados uma proposta de lei para a construção do ramal de Viseu, entre outras linhas de caminho de ferro (…) Para além de outras especificações de caráter técnico e financeiro, (…) do “ramal de Viseu”, determinava que a largura da via era de 1 metro e a sua construção devia iniciar-se no prazo de sessenta dias a contar da data da aprovação dos projetos do governo, devendo estar concluída em dois anos.

O Governo garantia à empresa adjudicatária o complemento do rendimento líquido anual 5,5% em relação ao custo de cada km que se construísse, compreendendo o juro e a amortização do capital, estabelecendo a base de licitação em 23.000$00 reis e as despesas de exploração em 50% do produto bruto por quilómetro, com o mínimo 700$00 reis e o máximo de 1.200$00 reis.

Os jogos políticos e o receio de perder influência, levara o Partido Progressista que, entretanto, subira ao poder, a não mostrar grande interesse em empenhar-se na construção de um ramal que nascera da iniciativa do Partido Regenerador. Assim, a questão do ramal tornou-se sintoma do jogo de interesses e compadrio que lavrava nas altas regiões do poder. Sem dúvida, o cerne da questão estava na ligação de Tondela a Viseu, onde a dirctriz inicial colocava a linha a passar por Parada de Gonta, terra de Tomaz Ribeiro (natural do concelho de Tondela), então Ministro das Obras Públicas e figura de grande prestígio do Partido Regenerador, enquanto os progressistas pretendiam que o seu desvio por S. Miguel de Outeiro, alegando que o primeiro traçado só serviria para a comodidade e regalo do ilustre ministro, porque lhe fazia passar a linha à porta (…).

Todas estas vicissitudes processuais fizeram com que somente em 1888, fosse aprovado pela Junta Consultiva de Obras Públicas o traçado definitivo do ramal. O traçado seguia de Viseu-Figueiró-Torredeita-Farminhão-Parada-Tondela. Em todas estas terras havia uma estação, ficando a de Parada ao lado da estrada Real de Coimbra, distante 4 km da povoação daquele nome.

A construção e os seus custos

Assim, se, em setembro de 1886, chegava a Santa Comba Dão a primeira remessa de carris e acessórios, destinadas à construção do ramal de Viseu, já em fevereiro de 1888 podia ler-se na imprensa regional que “os primeiros arrematadores passaram já a empresa a outra companhia e afirma-se que o fizeram com um lucro de 4 contos de reis em cada km. Ora, aumentando a linha mais de 7 km de que estava no primitivo projeto, importa o mesmo que meter na algibeira do primitivo empresário, que é o Sr. Marquês da Foz, nada mais, nada menos do que 28 contos de reis! Mas a questão não é os 28 contos, o pior são os 140 contos que o Estado tem de dar e o encargo que fica da responsabilidade dos 5,5% de garantia do capital empregado”.

O principal obstáculo, no entanto, surgia por parte dos proprietários das terras por onde devia passar a linha (…) as expropriações para o ramal de caminho de ferro de Santa Comba Dão, continuavam a ser uma verdadeira campanha entre empreiteiros (…) e expropriados. No Jornal Viriato de 11 junho de 1889 afirmava-se em virtude haver “proprietários que pedem quantias fabulosas por dois palmos de charneca e a companhia, não podendo transigir com o absurdo, tem muitas vezes de recorrer à expropriação judicial, o que representa sempre um atraso para a conclusão da linha.” Na verdade, em março de 1889 era sabido que a “Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro, encomendou já o material circulante para a linha férrea, às seguintes fábricas: as locomotivas à Machinenfabrik da Alemanha; as carruagens à Societé Internacional da Bélgica; e os wagons à La Metallurgiene também belga; as carruagens de 1ª classe e o salão são inteiramente forradas de pelúcia vermelha e que todo este material deverá achar-se na linha até ao final do ano corrente.”

Mas não foram, somente, os problemas técnicos e a satisfação de interesses privados e de conveniências políticas que afetaram o normal andamento dos trabalhos. No dia 17 de junho, houve um grave conflito, levantado pelos operários no ramal de Viseu de que podiam resultar sérias consequências. Foi o caso que “naquele dia veio o pagador da Companhia a fim de trazer a féria aos trabalhadores. Esta, porém, como já lhe fosse devida a dos meses de abril e maio, e como só lhes pagassem a de abril, não quiseram receber o dinheiro, revoltaram-se e protestaram, não voltando ao trabalho enquanto lhes não fosse pago o débito.”

Segundo o relatório apresentado, em 20 de fevereiro de 1892, à Assembleia Geral da Companhia Nacional de Caminhos de Ferro, dá-se como despendida na execução dos ramais de Mirandela e Viseu a quantia de 3.766.330$266 reis, incluindo os juros do capital durante o período da construção e excluído o material circulante, pelo que, segundo aquela cifra, o preço médio por quilómetro ascende a 36.114$701 reis. Ora, confrontando este valor com o preço de 21.211$920 reis por quilómetro, pelo que os concessionários tinham arrematado a construção destes ramais, incluindo o seu material circulante, não pode deixar de ser considerado como extraordinariamente elevado e desproporcionado (…) Ficavam assim abertas perspetiva de inevitáveis prejuízos e de desastre financeiro, difíceis de conjugar e que deixavam longe as previsões lisonjeiras sobre o futuro do ramal de Viseu.

No Jornal Comércio de Viseu de 19 de junho de 1890, lê-se o desabafo “Há três anos que principiaram os trabalhos e não sabemos quando chegarão ao seu terno, apesar das boas promessas.”

Carlos Cruchinho

Fontes:
SILVA, José Ribeiro da (2004) – “ Os comboios em Portugal: do vapor à electricidade”: [Vol. I] Queluz: Mensagem.
MARTINHO, António Manuel Matoso e LUNET, Carlos Alberto Homem de Figueiredo (2012) – “O Ramal de Viseu – Linha do Dão”: Editada pela Comunidade Intermunicipal Dão Lafões.

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