À Conversa com Ema Dantas
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À Conversa com Ema Dantas

Em maio fomos ao encontro da mãe, empresária e impulsionadora da fundação Peaks for Change, que pretende alertar e desmistificar os problemas de Saúde Mental.
Fundadora e diretora da empresa Language Marketplace e antiga jornalista, recebeu vários prémios ao longo da carreira, como é o caso” Top 100 Female Entrepreneurs” pela revista “Profit”, tendo levado a sua empresa à lista das 500 empresas que faziam parte da “Canada’s Fastest Growning Companies” em 2013.
A sua paixão pela aventura e filantropia levaram-na a tomar a decisão de tentar subir as 7 montanhas mais altas do mundo, tendo como objetivo angariar fundos para a CAMH (The Centre of Addiction and Menthal Health).
Em véspera de uma nova jornada que a levará ao Everest, a Revista Amar esteve à conversa com Ema Dantas.

 

Revista Amar: Ema conte-nos um pouco de si?
Ema Dantas: A Ema é um pouco complicada (risos). As pessoas que me conhecem dizem que eu faço um pouco de tudo, já houve quem me perguntásse “há alguma coisa que ainda não fizeste?”, mas há ainda muitas coisas que posso fazer. A Ema de hoje é diferente da Ema de há 20 vinte anos. Eu tenho a companhia de tradução Language Marketplace, que surgiu depois de eu ter trabalhado como tradutora e agora decidi subir montanhas. A Ema quando está a trabalhar na Language Marketplace é patroa e tradutora, nos fins de semana anda a treinar para subir as montanhas.

R. A.: Que ligação tem com Portugal, principalmente com Bragança?
E. D.: Eu nasci em Duas Igrejas, há muitas pessoas que nem sabem onde fica, mas é a terra dos Pauliteiros (risos). Duas igrejas fica no concelho de Miranda do Douro, distrito de Bragança. O meu pai está em Duas Igrejas num lar e é aí que acaba a minha ligação com Portugal. Não vou muitas vezes a Portugal, vou este ano para ver o meu pai, mas mais nada.

R. A.: Quais são as memórias que guarda?
E. D.: Não são muito boas. Os meus pais trouxeram-me para cá quando eu tinha 4 anos. Eles vieram na primeira onda de imigrantes, aquando a Rainha Isabel II deu uma única amnistia. Não sei se os outros pais fizeram como os meus, que tinham-me lá como cá. Depois os meus pais mudaram-se para a Alberta quando houve uma crise de trabalho aqui, no Ontário, ele trabalhava na construção. Nós fomos para Edmonton, e eu sempre de lá para Portugal. Aos 18 anos casei, nessa época estava em Lisboa. Depois o Luis, pai das minhas filhas, a Patrícia e a Nicole, e eu resolvemos vir para o Canadá. Não sei porquê, mas sempre me senti canadiana e tenho muito prazer em ser canadiana e portuguesa ao mesmo tempo.

 

R. A.: Mãe e empresária. Foi fácil conciliar a vida privada com a profissional?
E. D.: O meu signo é Gêmeos, nasci em maio, e uma das características do meu signo é que temos 2 personalidades, e eu acho que eu sou mesmo uma dessas pessoas. Consigo trabalhar sem parar. O meu cérebro está sempre a trabalhar, inclusive um colega disse-me há pouco tempo “your brain never stops”, ou seja, que o meu cérebro não pára e por outro lado consigo-me divertir e relaxar. Foi difícil conciliar porque criei as miúdas sem parar de trabalhar, eu tinha 2 empregos. Não é fácil, mas qualquer mãe sabe que não o é, principalmente quando trabalha a tempo inteiro e indepentente da profissão que se tenha, o tempo fora de casa é o mesmo. Como qualquer mãe que tem que deixar os filhos na creche ou na escola, lembro-me de me dar um aperto no coração, mas temos que tomar aquela decisão pagar a Mortgage e por comida na mesa. Qualquer mãe tem que fazer o balanço.

R. A.: É vegetariana há 11 anos. O que a levou a tomar essa decisão? Não tem saudades de um Bitoque ou, quiçá, de uns enchidos de Mirandela?
E. D.: Sou e foi a minha filha mais nova que quando ainda no liceu um dia chegou a casa e disse que queria ser vegetariana e eu disse “ok” e como eu é que cozinhava comecei a ser vegetariana também. A Nicole é pescetariana, come peixe mas eu há 4 anos que só como os vegetais, achava que estava a ser hipócrita. Eu gosto de ser vegetariana, mas quando vou a Portugal o meu pai pergunta “e agora o que vais comer?” (risos)… de vez em quando lembro-me das Alheiras de Mirandela, mas não tenho saudades e até acho que o meu corpo entraria em choque se eu comesse carne.

R. A.: A Ema formou-se na Universidade de York. Que curso ou cursos frequentou?
E. D.: Sim e em ainda estou a tentar acabar o meu BA em Inglês, o Bacharlato.

R. A.: Passou pelo jornalismo. Ficaram saudades?
E. D.: Sim, totalmente! Quando andei no liceu era isso que eu queria seguir. Depois trabalhei como voluntária no Canal 47 há muitos anos e tenho uma paixão pelo jornalismo. Mudei o meu bacharlato depois de 20 anos por causa da minha paixão pela escrita.

 

R. A.: Hoje é uma empresária bem sucedida e premiada. Fundou e é a CEO da Language Marketplace. Poderia-nos falar um pouco da sua empresa?
E. D.: A ideia da empresa surgiu quando eu estava a trabalhar como interprete-freelancer, mas como freelancer nós não temos um salário e eu tinha as meninas pequeninas, tinha-me separado nessa altura do Luis, a Mortgage e o carro para pagar… uma pessoa precisa de ter um salário fixo e regular. Havia aquelas empresas que contratavam freelancers e depois achavam que não tinham que pagar e um dia eu disse para mim “ah… se eu abrisse a minha companhia eu pagava a toda gente” e foi assim. Resolvi abrir a minha companhia, basicamente sem dinheiro, falei com alguns colegas tradutores que se juntaram a mim e foi assim que comecei. Eu acredito que uma pessoa honesta pode liderar e ter uma empresa, ou seja, fazer tudo o que um empresário faz mas sem deixar de ser humano e foi nesta base que abri a companhia. Tenho a honra de ter empregados que estão comigo há mais de 10 anos. Nós passamos a maior parte do dia no escritório, nós conhecemo-nos bem e somos atenciosos, compreensivos e carinhosos uns com os outros. A vida é curta e todos nós temos que trabalhar, então que pelo menos o tempo que se passa no trabalho seja o mais agradável possível, porque senão a nossa vida será infeliz.

R. A.: A sua empresa faz traduções de que línguas?
E. D.: Fazemos traduções de todas as línguas. O francês é obviamente a língua mais traduzida, depois temos todas as outras línguas porque temos contratos com o Governo Federal, com o Governo Províncial do Ontário, com a Câmara Municípal de Toronto e com muitas empresas.

R. A.: A revista PROFIT colocou a Ema, entre as Top 100 de Empresárias Canadianas. Que sabor teve este reconhecimento?
E. D.: Foi bom e eu agradeci, mas continuo a fazer o mesmo trabalho que fazia.

 

R. A.: Vamos falar um pouco daquele que é provavelmente, um objetivo de vida. Quando fundou a Peaks for Change Foundation e porquê?
E. D.: A Peaks for Change está indiretamente ligada à Language Marketplace. Sou da opinião que os empresário têm o dever de retribuir à comunidade que contribui para sejamos bem sucedidos, como é o meu caso. Quando abri a empresa, há 18 anos e durante os primeiros anos os lucros no fim do ano não eram muitos, mas mesmo assim eu sentia que tinha que doar uma percentagem dos lucros a causas de beneficência e os meus empregados sempre se incluiram e sentem-se motivados em fazê-lo. A ideia do Peaks for Change nasceu na 4ª. hora da Maratona do Scotiabank Waterfront. Eu estava a correr nessa maratona em memória de uns dos meus empregados, ele era um dos tradutores de francês, que tinha falecido no anterior com Esclerose Lateral Amiotrófica, conhecida por ALS, mas comecei a participar nessa maratona quando ele foi diagnosticado para angariar fundos para a ALS. Então estava a correr e comecei a pensar “ok… e agora o que vou fazer a seguir?”. Há 5 anos que andava a angariar fundos para a ALS e queria continuar a angariar e acho que foi Deus que naquele momento me fez pensar e lembrar no que tinha perdido, a minha mãe. A minha mãe tinha falecido em 2012, em Portugal e sim fui ao funeral, fiz o luto mas compartibilizei porque estava ocupada com a companhia e com a angariação de fundos para a ALS, tinha a cabeça sempre ocupada… mas quando uma pessoa passa mais de 4 horas a correr tem muito tempo para pensar, e nessa hora Deus disse-me “agora está na hora de chorares pela mãe, lidar com tudo com que ainda não lidaste” e quando acabei a maratona decidi que ia começar procurar outras causas. Quando me perguntou se eu era religiosa, eu disse que sim porque acredito que Deus tem um plano para nós. Um dia estava a ver uma das revista da Running Magazine e tinha lá um anúncio sobre um curso de Alpinismo no Mount Rainier nos EUA, só para mulheres, para depois subir o Mount Denali no Alasca, que é um dos 7 Cumes e pensei para mim “isto parece ser muito porreiro, é isto mesmo que quero fazer!”. Depois telefonei e increvi-me no curso, no ano passado em julho, entretanto surgiu a ideia que o ideal era começar uma fundação com o objetivo de subir os 7 Cumes porque a Saúde Mental é um problema enorme e precisa que se faça algo igualmente enorme para dar “luz” para um problema que ninguém gosta de falar. Está na hora de falarmos mais sobre a Saúde Mental e de não ter vergonha de lhe chamar doença.

R. A.: Qual é o significado do nome da fundação?
E. D.: Peaks tem várias traduções, é cumes, altos, picos, logo pode ser cumes de água, altos na vida, etc., daí achar que Peaks seria ideal, e Change, pela razão óbvia, porque está na altura de mudar e educar as pessoas para o que é a Saúde Mental.

R. A.: Subiu em outubro de 2017, a Pirâmide Carstensz (ilha da Nova Guiné), e mais recente, em janeiro, o Kilimanjaro (Tanzânia). Estes são 2 dos 7 cumes mais altos do mundo. Pretende subir todos? Se sim, qual vai ser a versão, a de Dick Bass ou de Reinhold Messner? E qual é o objetivo?
E. D.: Pretendo subir todas e nas 2 versões, ou seja, há 6 montanhas em comum entre as listas de Dick Bass e de Reinhold Messner, mas eles têm opiniões diferentes em relação a 2 montanhas. Messner inclui a Pirâmide Carstensz, na Indonésia e Bass inclui a Mount Kosciuszko, na Austrália. Eu pretendo subir as 8 montanhas para completar as 2 versões, que assim não deixo questões em aberto e ninguém pode contestar o certificado.

R. A.: Requer alguma preparação física ou psicológica para se subir estas grandiosas montanhas?
E. D.: Requer… e para agora enfrentar o Everest no Nepal, o meu colega já me disse que vou ter que tirar 5 meses só para treinar… é que não basta ir para o ginásio, tem muitas coisas específicas como caminhar sobre pedras, escalar rochas, etc. e cada montanha tem um percurso, escaladas e características diferentes e próprias. Por exemplo para o Mount Vinson no Antártico, para o qual partimos no dia 22 de novembro, vamos ter que puxar um trenó por causa do gelo, então tenho treinado com a mochila às costas e a puxar um trenó com o equipamento que vou precisar lá, enquanto que para o Pirâmide Carstensz porque é mais rochoso, tive que aprender e treinar a escalar rochas com cordas, porque é a única maneira de se subir esta montanha.

 

R. A.: Como descreveria a escalada?
E. D.: Cada montanha é diferente… a Pirâmide Carstensz foi difícil porque é muito técnica… há uma lista para alpinistas que aconselha começar pela Kilimanjaro e depois a sequência ideal para fazer as próximas, a Pirâmide Carstensz está antes do Everest, mas foi logo a minha primeira. O Kilimanjaro foi agradadável, adorei

R. A.: Em algum momento pensou desistir? E que emoções sentiu quando finalmente atingiu o topo?
E. D.: Quando ia a meio da Pirâmide Carstensz, já estávamos a uma altura elevada quando comecei a ter um ataque de ansiedade (risos)… porque eu tenho medo de alturas, que só descobri quando estava a subir a Mount Rainier, aos 10,000 pés, e eu não podia voltar para trás, só havia uma solução que era continuar, o que foi uma boa preparação para as outras, agora também já aprendi as técnicas de repiração para me acalmar. Quando cheguei aos cumes e vi o que estava ao meu redor, aquelas paisagens lindas e a vista de lá de cima é formidável.

R. A.: Que bandeira levou consigo?
E. D.: Levei as duas, a portuguesa e a candiana unidas. Na Pirâmide Carstensz tinha a bandeira portuguesa de cima para baixo, mas já a arranjei para o Kilimanjaro.

R. A.: Com certeza que tem noção que será a primeira luso-canadiana a conquistar as montanhas mais altas do mundo. Pensa nisso?
E. D.: Se Deus quiser… mas, não é o que motiva, mas espero que com isso consiga motivar e inspirar as mulheres, o Alpinismo não é um desporto só para homens, mas é dominado por eles. Eu quero mostrar que qualquer pessoa pode fazer alpinismo… eu tenho um metro e meio, sou avó, tenho 50 anos e se eu o consigo fazer, qualquer pessoa o consegue… eu quero que as minhas filhas e a minha neta vejam em mim um exemplo, que as mulheres podem fazer qualquer coisa que quiserem, não interessa se ainda não houve uma mulher a fazê-lo antes. Eu gosto de dizer “se os homens conseguem fazer, as mulheres também conseguem” (risos). Eu gostaria de ver as mulher a fazer coisas que não sejam habitual.

R. A.: E a família, que pensa desta mãe aventureira?
E. D.: A família apoia-me. As minhas filhas até fazem parte da Fundação Peaks for Change e o meu marido subiu comigo o Kilimanjaro e está sempre a dizer-me que eu consigo, sei que ele dá-me o encorajamento que preciso. Os meus netos ajudam-me nos treinos… mas sinto muitas saudades deles quando vou, é o que me custa mais porque não temos o telemóvel para mandar mensagens, falar ou matar as saudades.

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