Conturbações atuais
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Conturbações atuais

Impulsionados tanto pela evolução tecnológica quanto pela agilidade nas comunicações e o volume de informações cujo crescimento é cada vez maior em intervalos de tempo cada vez menores, deparamo-nos com os seus inevitáveis efeitos à agitação dos neurónios e das emoções de formas nunca vistas anteriormente, ou seja, uma verdadeira tempestade de estímulos ininterruptos sequer dão chances de a cabeça se organizar. Não conseguimos, à equilibrada condição, assentar as ideias e assim definir o que nos interessa e o que pode ser desviado como exagero, acima da triagem que o próprio modelo de economia mental já o faz, portanto, restou-nos acumular rapidamente o excesso que ganha volume, obstrui e danifica. Atropelamos o lento, porém seguro, sistema psíquico de processar o conhecimento. Talvez pudéssemos encontrar uma solução para ajustar o descompasso, refletindo e trabalhando em sintonia com a natureza ao modular velocidade e disponibilidade, conciliando e cedendo para manter saudavelmente os ganhos conquistados até então e continuar a jornada evolutiva, que trará, certamente, novas questões a serem observadas.

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É uma sobrecarga que, além de comprometer o adequado processamento, emite os essenciais sintomas de alerta por meio da irritação, do medo e da ansiedade (transtorno em larga escala estudado pela OMS – Organização Mundial de Saúde. Mais: notícias regulares desumanas a respeito dos cenários de instabilidade económica, de pobreza, de crimes e de guerra ao redor do globo, sem falar nos factos locais, imediatos), do isolamento, da distância próxima conectada à obsessiva atualização virtual do que acontece instante a instante, num frenesim de controle e poder sem precedentes, da tristeza (e doenças como a depressão, alcançando as crianças e os jovens como apontam pesquisas da Universidade San Diego, por Jean Twenge, relacionadas ao uso indiscriminado das redes sociais). São defesas automáticas e naturais advindas da permanente explosão adrenérgica estressante (um brutal terrorismo psicológico direcionado às já impressionadas cabeças que respondem vigorosamente) que se sobrepõe ao estado de repouso necessário ao balanço dos altos e baixos típicos do cotidiano. Imagens e conceitos são desenhados e pintados com os tons acinzentados das situações de profunda inquietude e desarmonia. O resultado…

Ainda, presos a tal circuito, limitamo-nos a cuidar quase que somente dos seus danos, “perdendo de vista” outros assuntos que também dificultam o fluxo ideal diário da gestão pessoal e de convívio, tais como a reflexão acerca do modelo de vida que levamos e sua correspondente qualidade: alimentação, desportos, cultura, espiritualidade, trabalho/excessos/desemprego, cidades/aglomerações, originalidade e metas pessoais em contraposição às fantasias de viver o modelo alheio/sociedade do espetáculo, envolvendo questões de autoconceito e autoestima consequente, a fragilidade da personalidade contemporânea. A participação mais ativa e intervencionista nos projetos políticos (incluída a vigilância ao abuso de poder e à corrupção, para além dos órgãos típicos) e sociais aos quais nos submetemos por decisão representativa de pequenos grupos. O envolvimento em ações concretas ecológicas de hábitos fundamentais que alterem o danificado panorama que nos cerca perigosamente, por exemplo. Poder-se-ia dizer, pois, que se trata de uma autoagressão em relação à colheita a que nos submetemos pelo tipo de plantio que praticamos. Afinal, o que queremos? E o que não queremos?

Sim, nós nos colocamos nesta situação (por um lado, conscientemente, por outro, consideravelmente, à espessa inconsciência), mas podemos transpô-la, em parte que seja, pois representaria muito! Assim o fizemos, pouco a pouco, por passividade despercebida, talvez, como quem espera que outrem faça aquilo que somente cada um pode fazer por si mesmo, ou boa parte ao menos – e pelo comunitário. Por si e por todos. O egoísmo tem o seu papel na sobrevivência e é tão enraizado evolutivamente quão exclusivo às transformações íntimas e intransferíveis, mas o altruísmo dá-lhe a mão em ambicioso projeto de unir para fortificar e vencer estrategicamente melhor à passagem vital da espécie sobre o incomparável planeta azul, aperfeiçoando, sutil e vagarosamente, tudo o que seja possível ser transmitido às descendências via informação genética. Pequena nota: embora as conturbações de hoje possam nos assombrar e projetar impressões pessimistas quanto ao futuro, é bom lembrar que a violência (de acordo com os muitos dados da OMS), por exemplo, já foi estudada séria e metodicamente na Universidade Harvard, por Steven Pinker, através de números que se mostraram estatisticamente maiores no passado (na pré-história e em outros períodos) cujo descontrole ainda sonhava desejosamente algum conjunto de medidas atualmente possíveis, melhor aplicado nuns sítios do que noutros, sem, contudo, perder a sua atual primazia e os resultados que eventualmente venham a se superar favoravelmente. Em suma, o inatingível paraíso custa caríssimo aos que não consideram os factos que a história nos conta com a nobreza de um dedicado professor a impor mais realismo e menos fantasia aos estudantes.

Então, se a nossa modelável mentalidade se ajustou aos novos e importantes passos dados desde o ontem, de agora em diante, se o quisermos, podemos adaptá-la em maior porção favorável ao equilíbrio do uso e dos efeitos decorrentes, ao preço, todavia, de o fazermos com maior consciência (menos mecanicamente), direcionando o barco em harmonia aos ventos e ao controle das cordas que se sujeitam às velas, além do leme, é claro. Mas é crucial que se disponha de tempo para as ponderações e a sua oportuna aplicação. Agir, mais do que reagir. Não há mágica ou truques, a não ser o exercício das ideias, sobretudo as criativas, que só nascem sob o pesado arado psicológico das perguntas adequadas e à aceitação das respostas que, vez por outra, não são as mais simpáticas ou atraentes. Mas bem vale o amargor do remédio, já o sabemos. Tudo tem um preço.

Por fim, não é simples a transformação e o direcionamento pretendidos nestas linhas, nem se pretende aqui insinuar tamanha insensatez, mas é certo que está em nós muitas das soluções às quais se pode recorrer à mesma natureza que nos permite seguir por muitos caminhos, destacadamente as vias para evoluir e ultrapassar-se.

Armando Correa de Siqueira Neto

Psicólogo e Mestre em Liderança

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