Vai dar tudo certo?
Crónicas

Vai dar tudo certo?

Muitas vezes afirmamos ‘vai dar tudo certo’ com a empenhada eloquência de quem sente a certeza acenar favoravelmente para tantas coisas que desejamos empreender na vida pessoal e profissional, e raramente colocamos um ponto de interrogação que nos faça duvidar dos projetos em mira, ou seja, negamos às chances mentais de antecipar as eventuais derrotas – e elas existem como testemunhas das nossas repetidas experiências. Por que agimos assim, com parcialidade fantasiosa, se os dois cavalos da sorte correm emparelhados na mesma pista dos acontecimentos?

Tememos atrair o azar caso consideremos a possibilidade do fracasso? A força do pensamento positivo é realmente tão poderosa, que sem ela tudo seria um enorme fiasco? O que dizer das palavras do sábio filósofo grego Sócrates (470-399 a.C.)? “Sabes que sem a esperança do sucesso nenhum prazer experimentamos, de modo que, se se pensa obter bom êxito, seja na agricultura, seja na navegação, seja em outra profissão qualquer, a ela nos dedicamos com tanta alegria como se já tivéssemos triunfado.”. E quanto aos nossos pensamentos secretos mais sombrios a respeito dos tombos e temores que se colocam ansiosamente adiante dos trilhos cujo trem se lança ao descarrilamento, contudo, assombrosa e contrariamente a eles, por vezes, chega-nos o bem-aventurado êxito, causando, inclusive, a sensação de tempo perdido por desnecessárias antecipações e mal-estar decorrente?

Mas a teimosa luz vermelha da experiência acaso não se acende quando criamos expectativas acerca do que desejamos? É uma espécie de jogo que nos faz querer se levantar da mesa e ir embora ao nos lembrar dos desagradáveis resultados de outras partidas. Ora dá certo, ora… “Somos arrastados pelas circunstâncias e entregamo-nos às esperanças, que nos proporcionam apenas metade do que esperamos.”, na contundente descrição da matemática e filósofa francesa Émilie du Châtelet (1706-1749), levando-nos ao desconforto típico do risco…
O que não vemos? O que falta, talvez, para que a roleta dos factos aumente as chances diante das apostas que fazemos? Uma coisa é inegável, não podemos ficar sem as ideias, o planejamento e a intensidade que os regula emocionalmente, decerto que não, portanto, os pensamentos ajudam a plantar e a cultivar a fina flor do sucesso nas realizações. Mas vale se cercar de duas escoltas neste tipo de viagem tão comum e significativamente cara a nós: o autoconhecimento que tanto nos dá o mapa sobre o que já podemos e o que ainda precisamos desenvolver (qual a máxima do filósofo inglês John Locke (1632-1704): “Quando conhecermos nossa própria força, saberemos melhor o que intentar com esperanças de êxito…”), quanto dirigir melhor os sonhos por direções mais ajustadas ao que queremos de verdade, que apele à vigorosa vontade íntima e menos às pálidas impressões externas, alheias…

Por fim, é moderado manter em mente a inevitável presença da aleatoriedade, pois diversos fatores entram em constantes e bombásticas combinações e desajustam frustrantemente as construções em andamento. É claro que a tenacidade e a resistência são capazes de se imporem ao prejuízo das demolições, e mesmo sob a forte e natural chuva da tristeza e desânimo eventuais, o sol da esperança, do recomeço e das realizações demonstra aparecer gloriosamente no céu das possibilidades.

Vai dar tudo certo? Talvez, se em torno da aconchegante fogueira das intenções se reúnam a reflexão, a esperança, o autoconhecimento, uma pitada de sorte, a persistência, e, é claro, a capacidade de aprender a lidar com a frustração, porquanto não há escuridão noturna que não seja sucedida pelo luminoso raiar do dia.

Armando Correa de Siqueira Neto

Psicólogo e Mestre em Liderança

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