À Conversa com Gonçalo Salgueiro
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À Conversa com Gonçalo Salgueiro

Gonçalo Salgueiro, com três álbuns de fado editados, distinguido com um Prémio Amália Tributo, tem participado como protagonista em vários musicais de Filipe La Féria, nomeadamente “Amália”, “Jesus Cristo Superstar”, “Fado, história de um povo”, entre outros.
Natural de Montemor-o-Novo (Alto Alentejo), Salgueiro, que estudou música e foi educado no culto do amor à música nas suas mais variadas formas de expressão, atuou em várias casas de fado de Lisboa, tendo editado o primeiro álbum, “No tempo das cerejas”, em 2002, uma assumida homenagem a Amália, onde recria alguns dos seus temas esquecidos.
Quatro anos mais tarde, surgiu o CD “Segue a minha voz”, que reeditou em 2012, incluindo duetos com Fernanda Maria e Beatriz da Conceição.
Em 2009, Gonçalo Salgueiro publicou CD/DVD homónimo “Gonçalo Salgueiro”, em que se revela como autor de poemas para o fado.
Em realidade, Gonçalo Salgueiro divide a sua vida de cantor/ator com a de Letrista e a de Produtor Discográfico para intérpretes nacionais e internacionais.
Espetáculos pela Europa e EUA, levam-no, entretanto, ao contacto mais próximo com o grande público que, tal como os críticos, são unânimes em afirmar a sua extraordinária versatilidade, emoção e presença.
Agora é chegada a vez do Canadá. No dia 21 de janeiro de 2017, Gonçalo Salgueiro promete encher o palco do Centro Cultural Português de Mississauga, Ontário, com um espetáculo com muita música portuguesa, o “seu Fado” e a certeza de que fará o seu melhor.
Oportunidade única para a comunidade portuguesa conhecer a versatilidade vocal do cantor português que tem em Amália Rodrigues uma das suas principais referências no Fado.

Revista Amar – Participou já em vários musicais de Filipe La Féria, integrando, por exemplo, o elenco do Musical “Amália”, no papel de Eduardo Ricciardi. Como explica esse trajeto profissional e a importância para a sua afirmação enquanto fadista?
Gonçalo SalgueiroNunca pensei cantar profissionalmente … tudo foi acontecendo sem que eu o procurasse, gosto de pensar que aconteceu tudo “por vontade de Deus!”.
Antes de começar a fazer Teatro Musical, a minha experiência profissional resumia-se a 2 concertos e a 6 meses em 2 casas de Fado – O Clube de Fado, em Alfama e O Velho Páteo de Santana, no Campo Mártires da Pátria, onde tive a sorte de começar a cantar com grandes nomes como Beatriz da Conceição ou Tereza Tarouca e grandes músicos como o génio Prof. Fontes Rocha! poucos meses, mas que muito me ensinaram, sobre o que é Fado!
Logo após este curto período, tive a sorte de ser apresentado ao senhor Filipe La Feria e por ele ser convidado a integrar o elenco do seu musical de Fado “AMÁLIA”. Daí parti para o Casino Estoril a convite de Júlio César, para o espetáculo musical “EGOISTA”, protagonizando o mesmo, ao lado de Rita Guerra e Dora e aí representando Fado pela primeira vez num espetáculo diário do Salão Preto e Prata!
Daí segue-se o meu maior êxito e um dos maiores e mais memoráveis espetáculos musicais em Portugal, “Jesus Christ Superstar”, uma ópera-rock por mim encabeçada, com lotação esgotada durante mais de um ano, com 7 espetáculos por semana! Seguem-se a este, muitos convites de Filipe La Féria para protagonizar outros musicais de sua criação!
Durante estes 16 anos pude explorar toda a versatilidade da minha voz e da minha pessoa enquanto artista, aprendi a estar em palco e a dominá-la, creio que poucos artistas se podem gabar de ter cantado de folclore e fado até Ópera ou Rock, passando por tantos outros géneros musicais! Como tal, enquanto fadista tornei-me mais completo, mais experiente, ciente da minha singularidade e do modo muito particular e único como interpreto a “canção nacional”, ganhei acima de tudo com toda a minha humildade, a gratidão pelo meu público … sem público não seria nada enquanto artista!

RA – A avaliar pelos vários projetos que abraçou ao longo destes anos, claramente Amália Rodrigues é uma das suas principais referências no Fado. O que o fascina mais no universo Amaliano?
GSAmália Rodrigues é a minha razão de cantar Fado, com 3 anos ou menos, segundo a minha falecida Mãe, já cantava os seus fados … para mim o FADO É AMALIA E AMÁLIA É O FADO! e nesta imensa cantora universal … o que mais me fascina é a sua AUTENTICIDADE, INTELIGÊNCIA, ALTRUÍSMO, HUMILDADE E CORAGEM! De resto o seu legado fala por si … é IMORTAL!

RA – Editou o CD/DVD homónimo “Gonçalo Salgueiro” (2009/2010), onde se revelou como autor de versos para o Fado. O que procurou transmitir ao público com este trabalho discográfico?
GSFazia muito que tinha escrito os meus primeiros versos, mas foi com o CD “Gonçalo Salgueiro” que ganhei coragem para me expor ainda mais a quem gosta do meu trabalho e partilhar com esses a quem tudo devo uma outra faceta de mim! Hoje, graças a esse gesto (que requereu alguma coragem e apoio sobretudo da minha Mãe que tanto me inspirou e a quem dediquei esse disco e a quem dedico toda a minha carreira …) assumo-me também enquanto letrista!

Mas para mim, o verdadeiro prémio
é ter pessoas que me estimam
e seguem o meu trabalho

RA – Em 2012, Gonçalo Salgueiro é galardoado pela Fundação Amália Rodrigues com o Prémio Amália Rodrigues 2012 na categoria “Tributo a Amália”, prémio pela primeira vez instituído e atribuído. Que significado teve este prémio para si?
GSO prémio, com toda a humildade, para mim significou o “reconhecimento” de todo o meu trabalho de recuperação e recriação de temas de Amália! Alguns desconhecidos até então do grande público, como o fado “GRITO “, o fado que fez a minha carreira despoletar! Mas para mim, o verdadeiro prémio é ter pessoas que me estimam e seguem o meu trabalho …

RA – Além dos seus espetáculos a solo, Gonçalo Salgueiro lançou-se em mais um grandioso projeto – OPERFADO -, desta vez em parceria com a renomada soprano internacional Elena Mosuc, cuja tournée teve a sua estreia na Roménia. Fale-nos um pouco sobre esta experiência.
GSUma estória bem caricata … tudo começou com uma mensagem de Facebook que mandei a Elena Mosuc (umas das maiores sopranos do mundo) a congratulá-la pelo seu último Cd, que por sua vez me pesquisou no Youtube e ao ver, no seu entender, que estaria à sua altura para fazer um espetáculo ao seu lado, nasce então o OPERFADO uma fusão entre Fado, Ópera e Musical, ALGO NUNCA ANTES FEITO! Espetáculo que percorreu toda a Roménia, seu país natal, em algumas das melhores salas do mundo, onde mais uma vez pude testar-me enquanto artista e que muito me orgulhou por levar o nosso Fado a um público totalmente diferente do habitual.

RA – Gonçalo Salgueiro participou também no projeto poético-musical “Aire, Fuego e Deseo”, do poeta castelhano Juan Carlos García Hoyuelos, em homenagem a 96 000 pessoas que conservaram o idioma judaico-ibérico nos seus 500 anos de diáspora. Por que aceitou o desafio?
GSAceitei exatamente por ser um desafio, gosto de me testar! E foi uma honra representar a nossa língua neste fascinante projeto que já corre mundo!

RA – Em fevereiro de 2015 inicia os ensaios para mais um musical de Filipe La Féria – “A noite das mil estrelas”, no Casino Estoril, onde interpreta variados temas desde o musical Evita, à canção francesa dos anos 50, passando pelo pop de António Variações dos anos 80, até ao fado e à ópera. Esta versatilidade musical completa-o?
GSEste projeto … foi particularmente difícil, Filipe La Feria exigiu de mim fazer o reportório de 5 vozes diferentes, e por isso o adoro e creio que também por isso ele gosta de mim e me continua a chamar para encabeçar os seus projetos! Exatamente por ser extremamente difícil e exigente foi fantástico este projeto! a versatilidade vocal faz parte de mim e agradeço a Deus permitir me continuar a explorá-la, e graças a Deus sempre com grande êxito junto do público, que me aceita de braços abertos seja qual for o reportório que eu cante!

RA – Quais os projetos artísticos para 2017?
GSDurante a doença e depois de perder a minha Mãe pus a minha carreira em “standby” e de momento estou calmamente a recuperar e a pensar nos próximos passos a dar …

RA – O musicólogo e crítico Costin Popa aponta o Gonçalo Salgueiro como um “… excecional intérprete da tradicional canção popular portuguesa, digno sucessor da famosa Amália Rodrigues (…)”. Já Brigitte Mariollat diz: “Este jovem artista é muito mais que um talentoso fadista, é um brilhante ‘performer’”. Revê-se nestas palavras?
GSComo pode imaginar não sou responsável por estas considerações e humildemente, fico sempre sem palavras quando grandes críticos de música erudita estrangeiros falam assim de mim, fico obviamente feliz, mas não faz nada “subir-me à cabeça”, esta vida é muito difícil, efémera e por vezes ingrata …, mas os meus pés estão bem assentes no chão! …, portanto enquanto Deus quiser, apenas vou dando sempre TUDO cada vez que trabalho … nunca se sabe qual será o último …

RA – Os elogios vêm de todos os lados, mas como é que o Gonçalo Salgueiro lida com as críticas?
GSÓtima pergunta! Lido muito bem, pois aceito todas as críticas ao meu trabalho, porém só medito sobre as críticas que vêm de quem amo ou faz/fez o mesmo que eu consigo fazer, ou de quem sabe mais que eu, essas são sempre construtivas, o resto é irrelevante! Nestes casos sim … penso muito e analiso o que poderá estar menos bem … sendo que não tenho intenção de agradar a todos, nem posso … sou apenas eu e muito grato a quem me aceita exatamente como sou e me compreende!

É tudo feito com AMOR, portanto todas
estas ‘extensões’ de mim são geridas
acima de tudo com entrega, honestidade, método, organização e profissionalismo

RA – Gonçalo Salgueiro divide a sua vida de cantor/ator com a de letrista e a de produtor discográfico para intérpretes nacionais e internacionais. Como é que gere toda esta atividade artística?
GSÉ tudo feito com AMOR, portanto todas estas ‘extensões’ de mim são geridas acima de tudo com entrega, honestidade, método, organização e profissionalismo … não faço nada que saiba que não poderei fazer bem! tendo sempre a esperança de nunca desiludir ninguém!
RA – Espetáculos pela Europa e EUA, levaram-no a um contacto mais próximo com o grande público que, tal como os críticos, são unânimes em afirmar a sua extraordinária versatilidade, emoção e presença. No entanto, a comunidade portuguesa do Canadá poderá não conhecer tão bem o fadista Gonçalo Salgueiro. O espetáculo em Toronto será uma excelente oportunidade para alterar essa relação de proximidade?
GSJá faz muitos anos, graças à RTP Internacional, que tenho pessoas que me apreciam no Canadá, infelizmente nunca se proporcionou a minha ida até lá! Portanto, estou bastante feliz por poder estar próximo dessas pessoas tão generosas comigo e dar-lhes o melhor que posso e tenho … a minha arte!

RA – O que o público pode esperar desse espetáculo?
GSMúsica Portuguesa, o “meu Fado” e a certeza que farei o meu melhor, como sempre tento fazer!

RA – Enquanto fadista português, chegou a sentir algum tipo de peso nos ombros com o reconhecimento do fado como Património Imaterial da Humanidade em 2011?
GSApesar de sentir o orgulho de ver o nosso Fado ser reconhecido desta forma internacionalmente … devo responder … Nenhum, pois esse reconhecimento advém apenas da carreira universal de Amália Rodrigues – sinónimo de FADO! e eu não colho, nem me sirvo de méritos alheios … na minha opinião, apenas sinto a obrigação de enquanto intérprete de Fado fazer sempre o meu melhor para o honrar, onde quer que seja …

RA – Como vê esta nova geração de fadistas, da qual também faz parte?
GSNão sei definir essa “nova geração” de que fala, eu já tenho 17 anos de carreira … (às vezes sou posto na mesma geração com pessoas que cantam desde antes de eu ter nascido e pessoas com muitos menos anos que eu). Depois da minha geração, já existe toda uma nova vaga de Fadistas … agora é moda … confesso que vejo muita quantidade e muito pouca qualidade ou originalidade, ao nível dos intérpretes e sobretudo ao nível musical e poético! Portanto toda esta fase, para mim é um “estado de graça” e veremos daqui a uns tempos o que e quem restará!

Juntamente com a minha fé que me carrega muitas vezes sem eu saber como, a Família e Amigos são os meus únicos pilares

RA – Com um envolvimento profissional tão intenso, que tempo sobra para a sua vida pessoal?
GSQuando se faz o que se gosta, o tempo desdobra-se!

RA – A família e os amigos são dois pilares dos quais não abdica?
GSJuntamente com a minha fé que me carrega muitas vezes sem eu saber como, a Família e Amigos são os meus únicos pilares, sem a minha família eu não seria nada e os meus amigos são poucos, muito poucos … mas valem mais que uma multidão!

RA – Uma mensagem final para a comunidade portuguesa?
GSA toda a Comunidade Portuguesa obrigado por esta oportunidade de cantar para vocês, espero que este nosso encontro seja o primeiro de muitos … Deus vos abençoe a todos!

Fotografia gentilemente cedidas por Gonçalo Salgueiro – Direitos Reservados

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