À conversa com Madalena Balça
Entrevistas

À conversa com Madalena Balça

“Sinceramente, nunca senti que por ser mulher
estava a ter mais dificuldade em construir a minha carreira.”

 

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Nasceu em Coimbra há 54 anos. Fez a instrução primária em Soure, onde viveu 6 anos – dos 3 aos 9 – com os seus pais e dois irmãos. A partir daí, fez todo o seu percurso escolar e vida em Coimbra. Apesar de os pais serem ambos licenciados em matemática, Madalena Balça na altura de fazer a sua escolha de vida profissional, não lhes seguiu os passos. Foi atrás do seu sonho e entrou no mundo da comunicação. Trabalhou durante 30 anos na RTP, tendo começado pela rádio (Antena 1), ainda em Coimbra. A vida levou-a para fora da sua cidade natal e com 22 anos foi viver e trabalhar para o Porto. Atualmente, e desde 1990, ano do seu casamento com o seu companheiro de 35 anos de vida, vive em Pardilhó, no concelho de Estarreja, numa casa com vista para a Ria de Aveiro.

Determinada, sonhadora e trabalhadora incansável – estas são algumas das caraterísticas que marcam a sua personalidade e que a têm ajudado a construir uma carreira profissional de mais de 35 anos. Madalena arranja ainda tempo para se entregar aos outros – é presidente do Lar de Idosos da Associação da Quinta do Rezende, em Pardilhó, onde tem desenvolvido um trabalho voluntário de gestão, da instituição sem fins lucrativos, com excelentes resultados.

Atualmente Madalena Balça, casada, mãe e muito em breve avó, é Diretora da Camões TV e do jornal Milénio Stadium, depois de ter aceitado o desafio do presidente do grupo MDC, Manuel DaCosta.

Revista Amar: Casou aos 26 anos depois de sete anos de namoro. Como descreve a sua relação, tendo em conta a profissão que desde sempre desenvolveu e que lhe tirou muito tempo pessoal?
Madalena Balça: Na realidade, casei ainda com 25, a dois meses de fazer os 26 (risos). Bem… melhor do que tudo que eu possa dizer, os anos do nosso relacionamento falam por mim – entre namoro e casamento já somamos 35 anos juntos. E a conclusão óbvia é que foi uma escolha acertada, sem dúvida. A minha vida nunca foi propriamente “normal”, ou seja, exigiu sempre muitas ausências, muitas viagens, muita interação com todo o tipo de pessoas. Mais do que o tempo pessoal que sempre me tomou, a minha vida profissional teve sempre um lado de exposição pública com a qual o meu marido (e mesmo quando ainda namorado) aprendeu a conviver e a aceitar. Admiro-o muito por isso. Principalmente, nos anos em que eu era muito conhecida e até posso dizer assediada (no bom e no mau sentido), o Júlio sempre demonstrou ter uma confiança absoluta em mim e isso foi fundamental. Portanto, em grande medida o “sucesso” do nosso relacionamento deve-se a ele, embora eu também tenha a minha quota parte, claro (risos).

RA: Foi fácil ser mãe e conciliar com a vida profissional?
MB: Não. Sinceramente, não. E muitas vezes dou comigo a pensar que não fui a mãe que devia ter sido. Mais presente. Fiz sempre um esforço por me dedicar à minha filha e acompanhá-la em tudo o mais possível. Quando estava com ela tentava estar a 100%, mas na verdade eu não tinha uma vida “nine to five” (ainda hoje não tenho…), raramente conseguia ir buscá-la à escola, por exemplo, cheguei muitas vezes a casa e ela já estava a dormir… enfim essas coisas que hoje, olhando para trás, penso se agi corretamente. São momentos que nunca mais voltam e hoje tenho pena de não ter vivido, a infância e juventude dela, de uma forma ainda mais intensa. Mas alguma coisa devo ter feito bem, eu e o pai, porque a minha filha é um ser humano fantástico.

RA: Tem uma única filha. Como descreve a vossa relação?
MB: A minha filha é a minha vida. Temos uma relação muito próxima. Acho que, como acontece tantas vezes, por nos amarmos tanto… às vezes chocamos. Ela tem uma característica que aprecio muito, porque eu também sou assim, mas que às vezes “aleija” – ela é muito frontal. Diz tudo o que tem para dizer e, naturalmente, que a mim diz sem filtros. E, por vezes, amuamos uma com a outra por causa disso. Mas ela sabe que em mim tem a mãe que está sempre pronta para lhe dar a mão, empurrar o baloiço da vida, ou para a levantar quando por qualquer motivo cair. E eu sei que a minha filha é a pessoa que mais me ama, no mundo. Mesmo quando me responde torto (risos).

RA: A Catarina é filha de uma jornalista e de um advogado. No entanto, escolheu o mundo da comunicação social. Acha que houve aqui dedo da mãe?
MB: Em consciência nunca fiz nada por isso. Aliás, tentei sempre fazer-lhe ver as dificuldades desta vida, que não é tão cor-de-rosa como poderá parecer. No entanto, sempre entendi que ela devia acima de tudo escolher uma carreira profissional com a qual se identificasse. Não há nada pior do que não gostar do que se faz. Afinal, passamos a maior parte da nossa vida a trabalhar e deve ser horrível estar num estado de permanente infelicidade. Por outro lado, sempre lhe disse “escolhas o que escolheres para a tua vida profissional tenta ser uma boa profissional”, porque eu acho que isso é meio caminho andado para sermos felizes. E eu só quero ver a minha filha feliz. Agora, sinceramente, acho que ela escolheu bem.

RA: A sua filha depois de terminar o curso sai de Portugal e decide tentar a sorte no Canadá. Como viu essa decisão? Acha que foi a mais acertada?
MB: Ponto prévio… eu amo a minha filha. E por a amar tanto sempre quis e quero o melhor para ela. Ela terminou o curso numa altura muito difícil deste país (mais uma…). E Portugal, que é um país maravilhoso, é muito pequeno e, graças à gestão política desastrosa de anos e anos, continua a não acarinhar os jovens. Não lhes dá oportunidade para crescerem e se sentirem bem. Por outro lado, talvez por ter sempre vivido no mundo da comunicação, que como sabemos não tem fronteiras, eu sempre achei que os jovens precisam de mundo. E mais ainda os jovens comunicadores. Por isso eu apoiei a decisão dela. Logo, de imediato. Embora me tenha custado imenso. Muito mesmo. Ficou um vazio imenso.
O Canadá foi uma decisão muito acertada. Claro que teria sido muito melhor para nós, pais, que ela tivesse escolhido um país europeu, mais próximo de Portugal, mas o Canadá é um país extraordinário. Por isso sim acho que foi uma boa escolha.

RA: Como lida com as saudades?
MB: Tem dias… uns melhores que outros. Hoje em dia as saudades vão-se esbatendo nas videochamadas, nos telefonemas constantes, mas falta o toque, o abraço, o cheiro… Não vou mentir. Não é fácil, mas aprende-se a viver com isso.

RA: A Madalena tinha 17 anos na altura de fazer os exames para a universidade. Numa família ligada às matemáticas, o jornalismo foi a sua primeira opção? Porquê?
MB: De facto, a matemática sempre fez parte da minha casa (risos). E eu até gostava bastante da área de ciências, mas quando pensava no que queria fazer na minha vida, não estava a ver nenhuma profissão que me agradasse mais, do que a que vim a escolher. Foi uma escolha muito pensada e desde cedo. Procurei informar-me qual seria a melhor via para ser jornalista e, em Portugal, na altura, não havia outra alternativa a não ser ir para Lisboa para o curso de comunicação social, que tinha acabado de abrir na Universidade Nova. E estava tudo pensado e decidido. Acontece que a vida acabou por me trocar as voltas. A separação dos meus pais, que aconteceu quando eu estava a terminar o 12º ano, acabou por me marcar o destino profissional. Estava em plena altura de exames e as coisas correram mal. Chumbei no exame de História, disciplina em que até era muito boa aluna. E não entrei para faculdade nenhuma. Por outro lado, mesmo que tivesse entrado, já tinha decidido que não iria deixar a minha mãe e os meus irmãos em Coimbra, onde vivíamos, para ir para Lisboa. Estive um ano à espera e no ano seguinte entrei para Direito, na Universidade de Coimbra. Achei que não havendo hipótese de seguir comunicação social, aquele seria o curso que me poderia ajudar a fazer carreira de jornalista. Havia muitos exemplos de jornalistas licenciados em Direito. Enganei-me completamente. Detestei o curso e não passei do primeiro ano. (risos).

RA: Nos tempos da universidade em Coimbra, quais são as melhores memórias?
MB: Eu era uma estudante de Coimbra peculiar… só vivi a vida académica à noite (risos). Porque quando entrei na Faculdade de Direito já trabalhava na rádio. Só que resolvi inscrever-me no Orfeon Académico de Coimbra e entrei. Fui contralto. E adorei esse lado da vida estudantil. O facto de cantar, que gosto muito, os amigos que ganhei para a vida toda, as viagens que fiz. Adorei tudo! Para além do mais, foi no Orfeon que conheci o meu baixo preferido – o Júlio. (risos). Portanto, as minhas melhores memórias têm a ver com esse lado de boémia e convívio da vida de estudante.
Estudante mesmo a sério só fui quando, já casada e com a minha filha, pedi o reingresso na Universidade de Coimbra para fazer Jornalismo. Era já Chefe de Serviço de Produção na RDP Norte, nessa altura. Só conseguia ir a algumas, poucas, aulas e ia fazer os exames. Mesmo assim adorei e aprendi imenso. Era já uma “cota” perto dos meus colegas, mas foi uma extraordinária e muito enriquecedora experiência.

RA: Aos 18 anos decidiu ir bater à porta da RDP/Centro a pedir trabalho. Alguma vez imaginou que os 15 dias à experiência que conseguiu, se transformassem em mais de 30 anos na RTP?
MB: Depois da separação dos meus pais e depois de saber que não tinha entrado para a faculdade, comecei por ficar em casa, muito deprimida durante alguns meses, até que reagi e disse a mim própria que tinha que fazer alguma coisa para sair daquele buraco em que estava. Procurei trabalho e comecei a fazer sondagens de opinião, porta à porta, até que um dia cheguei à cozinha lá de casa e disse à minha mãe “vou à RDP/Centro falar com o Sansão Coelho e perguntar-lhe o que é preciso para ser locutora de rádio”. A minha mãe ficou em pânico “nem digas que és minha filha” (risos). O Sansão Coelho era, na altura, uma das maiores figuras da comunicação nacional e em Coimbra era e é uma pessoa muito respeitada. E a minha mãe achava que era uma vergonha eu ir falar com tal pessoa sem a conhecer de lado nenhum. Mas eu fui. Eu era uma ouvinte compulsiva de rádio. Ainda hoje adoro ouvir rádio. E sonhava já nessa altura ser profissional de rádio. Para resumir a história, quando fui cheia de coragem à RDP/Centro o Sansão não estava e a senhora que estava na portaria pediu-me o meu contacto telefónico. Eu não queria porque sabia que o Sansão não me conhecia de lado nenhum, mas ela insistiu imenso e eu acabei por lhe dar o número. Devo-lhe, em grande medida, a minha carreira, porque no dia seguinte o Sansão ligou-me. Falámos muito – o Sansão é um gentleman, um amor de pessoa – e no final ele perguntou se eu não queria ir fazer um teste de voz. Eu disse-lhe que sim, claro. Fui. Aquilo até nem me correu nada bem, pelo menos foi com essa sensação que fiquei, mas o Sansão disse “bem, nesta altura não temos vagas, mas se um dia houver oportunidade eu ligo-lhe”. Ligou três meses depois a perguntar se estava ainda interessada. Disse que sim. Fui 15 dias à experiência e saí 30 anos depois. Respondendo à sua pergunta – não fazia ideia nenhuma que aquela minha iniciativa resultasse no que resultou. Mas a vontade, o empenho e determinação são a chave. Foram para mim, como são para tanta e tanta gente nas mais variadas áreas profissionais.

RA: Como foi conciliar estudos e trabalho? Sendo que estava em direto na rádio todas as manhãs?
MB: Uma desgraça… (risos). Não correu nada bem. Eu passei a ter a rádio como o centro da minha vida e depois, detestava o curso, como já disse. Ora, estes dois fatores não podiam dar nada de bom. E não deram. Não fiz nada de jeito no curso de Direito.

RA: Quando é que descobriu que a rádio era uma paixão, muito mais que um emprego?
MB: Quando percebi que só me faltava dormir na rádio. Eu não saía de lá. Quando não estava a trabalhar ficava a ver trabalhar os outros. Foi assim que aprendi muito. Foi a minha escola profissional. E que escola! Trabalhei com enormes profissionais. Que me ensinavam todos os dias. E me fizeram apaixonar, perdidamente, pela rádio. A paixão ainda dura…

RA: Passados cinco anos é convidada do programa da manhã da RTP. Em algum momento se apercebeu que a entrevista era um teste?
MB: Nessa altura, eu já estava a fazer o Programa da Manhã da Antena 1. Era já muito conhecida. Estamos a falar de um tempo em que existiam três grandes rádios em Portugal – a Renascença, a Comercial e a Antena 1. E eu trabalhava num dos programas mais ouvidos a nível nacional, todos os dias. Integrava uma equipa fabulosa liderada pelo Júlio Montenegro. E era uma das mais jovens vozes da rádio portuguesa. Por isso, quando me convidaram para ir ao programa da manhã da RTP 1 para falar da minha experiência na rádio, achei normal. Não desconfiei de nada. Fui na maior descontração e ainda bem, porque na verdade eu estava a ser testada. No 4º andar da RTP do Monte da Virgem estava o “estado-maior” da RTP Porto, da altura, a analisar como é que a jovem interagia com as câmaras e se tinha ou não telegenia. E decidiram que até me podia safar. Então passados dias chegou o convite para passar a ser a apresentadora do Às Dez, em dupla com o Sérgio Figueira. E eu agarrei a oportunidade.

RA: Como descreve os anos à frente dos ecrãs de milhões de portugueses, todas as manhãs, no único canal nacional, no “Às Dez”?
MB: Foi um dos melhores tempos da minha vida. Trabalhei muito, mas foi uma época fantástica. Com desafios diários. Para mim era tudo novo, mas aos 23/24 anos ninguém deseja rotinas. E eu ainda hoje não gosto de rotina. Não vou dizer que não tinha os meus medos, claro que os tinha, até porque sempre tive consciência da enorme responsabilidade que tinha em cima de mim. Mas a equipa era muito boa e eu trabalhava mesmo muito – dormia muito pouco – para todas as manhãs estar preparada para os programas. E isso sai do corpo, mas tranquiliza. Muito cedo aprendi uma velha máxima da comunicação audiovisual – o melhor improviso é aquele que é preparado. E levei isso sempre muito à letra. Preparei-me sempre muito para o meu trabalho. Ainda hoje tenho essa (boa) mania. (risos).

 

RA: Ter privacidade na altura era algo muito complexo para si. Como lidou com essa exposição extrema?
MB: Sim. Hoje posso dizer, sem falsas modéstias, que fui mesmo muito popular. Era reconhecida em todo o lado. A privacidade passou a ser uma miragem… mas nunca ninguém me tratou mal. Antes pelo contrário. Tive sempre muitas manifestações de carinho. Na altura, chegar a um programa de grande audiência na televisão não era fácil. Éramos muito poucos. E por isso o impacto que tínhamos nas pessoas. Agora qualquer um fica famoso num qualquer reality show, mas naquele tempo a realidade de Portugal era bem diferente – de manhã só havia mesmo o canal 1 da RTP. Mais nada. Rigorosamente mais nada. O canal 2 abria só às 6 da tarde. Por isso é fácil compreender que o nosso programa tivesse uma audiência média diária de 4 milhões de espectadores. Algo absolutamente impensável hoje.
Acho que apesar de ser uma situação nova para mim consegui lidar com alguma normalidade com esse pico de popularidade na minha vida. Limitei-me a adaptar-me e habituar-me à ideia que se estava num restaurante tinha que parar de comer ou conversar, com os meus amigos ou namorado, para dar autógrafos e conversar com quem me abordava. Percebia que para os espectadores era quase um elemento da família que entrava nas suas casas todos os dias e lá ficava 3 horas todas as manhãs. Só tive o cuidado de nunca me deixar deslumbrar por isso. E continuar a ser igual ao que sempre fui. E acho que consegui. Tanto que quando voltei ao anonimato da rádio, passados uns bons anos, continuei feliz. Não entrei em depressão (risos). Porque a fama nunca foi um objetivo. Foi sim uma consequência natural do meu trabalho.

RA: Rádio ou TV? Há uma preferência?
MB: Eu sou uma mulher da rádio que também gosta muito de fazer televisão. A rádio é mais a minha casa, mas também gosto muito de enfrentar as câmaras.

RA: Que funções assumiu na RTP?
MB: Fiz a progressão normal de carreira e durante 5 anos fui Chefe de Serviço de Produção. Tinha à minha responsabilidade a programação, o desporto, a discoteca e arquivos sonoros e toda a área técnica. No total eram cerca de 50 pessoas que eu chefiava e substituía o Diretor do Centro de Produção Norte da RDP, nas suas ausências. Foram cinco anos de muito trabalho e mergulhada em muitos papéis.

RA: Teve dois programas na Antena 1 que marcaram a estação, “1001 Escolhas” e “Heróis Como Nós”. Fale-nos desses projetos.
MB: Esses foram, de facto, programas muito importantes na minha vida profissional. E penso que também é justo dizer que foram programas que marcaram a Antena 1. O 1001 Escolhas esteve “no ar” cinco anos. Era um programa de entrevista, por onde passaram figuras públicas de vários quadrantes – cantores, escritores, políticos, atores etc.. Eles respondiam a um questionário que era enviado por email, onde eu ficava a saber quais eram as suas escolhas – qual o filme preferido, o ator de eleição, o prato que fazia perder a cabeça… depois de chegarem as respostas eu selecionava 5 escolhas e a equipa que trabalhava comigo preparava peças sobre elas. Depois de tudo pronto eu fazia a entrevista. E o produto final era muito interessante – em 50 minutos de conversa tanto podíamos de falar de Shakespeare, como de Fellini, dos Queen, como de tripas à moda do Porto. E aquela personalidade acabava por se revelar muito mais profundamente do que faria se estivesse numa entrevista “convencional”. Comecei o 1001 Escolhas tinha, praticamente, 40 anos e eu costumo dizer que essa maturidade foi essencial para o sucesso do formato. Já o Heróis como Nós foi o programa mais solitário da minha carreira. Fi-lo completamente sozinha. E já com quase 45 anos. De novo o factor idade foi fundamental. Porque este programa tinha uma carga emocional que tenho a certeza não suportaria se o tivesse feito mais nova. Era um programa de reportagem, em formato de documentário. Com um cuidado extremo com o som e a articulação entre música, textos e ambientes sonoros. Mostrava pessoas ou instituições que marcavam (marcam…) a sociedade pela diferença. Foi um programa que adorei fazer, embora tivesse sido esgotante. Muito cansativo, mas muito recompensador.

“… o grande reconhecimento de toda a minha vida profissional veio da Dª Elvira. Um dia recebi um telefonema na RTP de uma ouvinte que estava muito indignada por, supostamente, o 1001 Escolhas ter terminado. Na realidade tinha apenas mudado de horário. Quando consegui explicar o que tinha acontecido, a Sra., que vim a saber se chamava Elvira e vivia em Vizela, disse com um ar de grande alívio – “É que este programa não pode acabar. Eu sou cega de nascença e com este programa eu vejo.” Sentei-me porque fiquei sem força nas pernas. Tinha acabado de receber o maior prémio de carreira que qualquer profissional de rádio pode almejar.”

 

RA: Foi reconhecida por algum dos seus projetos?
MB: O Heróis como Nós foi nomeado para melhor programa de rádio de 2010, pela Sociedade Portuguesa de Autores. Não ganhei o prémio que foi entregue ao meu colega Carlos Vaz Marques, da TSF, com o seu Pessoal e Transmissível. Mas para mim só a nomeação já foi uma grande vitória.
No entanto, o grande reconhecimento de toda a minha vida profissional veio da Dª Elvira. Um dia recebi um telefonema na RTP de uma ouvinte que estava muito indignada por, supostamente, o 1001 Escolhas ter terminado. Na realidade tinha apenas mudado de horário. Quando consegui explicar o que tinha acontecido, a Sra., que vim a saber se chamava Elvira e vivia em Vizela, disse com um ar de grande alívio – “É que este programa não pode acabar. Eu sou cega de nascença e com este programa eu vejo.” Sentei-me porque fiquei sem força nas pernas. Tinha acabado de receber o maior prémio de carreira que qualquer profissional de rádio pode almejar. Conseguir que um cego veja, apenas com o som.

RA: Das muitas individualidades que entrevistou, qual é que a surpreendeu mais?
MB: Entrevistei tanta gente na minha vida… é muito difícil dizer quem me surpreendeu mais. Posso dizer, isso sim, que há uma entrevista que ficou registada não apenas na minha memória, nem apenas na gravação em CD que tenho guardada comigo, mas também porque tenho no meu escritório uma gravura que nasceu no decorrer da conversa. E que, pelo menos para mim, não há dinheiro que pague. Está assinada por um dos maiores arquitetos do mundo – Álvaro Siza Vieira – e foi sendo desenhada à medida que a nossa conversa ia decorrendo. No final falei com ele sobre o desenho e isso está tudo gravado. Foi um momento único e inesquecível.

RA: E qual gostou mais de entrevistar?
MB: De novo… são tantos. É muito difícil fazer uma escolha, mas por exemplo adorei conhecer melhor e conversar com o Sr. Rui Nabeiro (dos Cafés Delta) um Homem assim… com H grande, de uma generosidade imensa, ou o Bento Amaral (o chefe do serviço de enologia do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto) que ficou tetraplégico numa brincadeira no mar, os médicos diziam que dificilmente tornaria a levar um copo de água à boca e hoje todos os dias leva copos de vinho à boca, numa extraordinária lição de vida e de força ou o pastor da serra da Estrela que chorava a falar das suas ovelhas que tinham morrido de brucelose… a lista é quase interminável.

RA: Quem falta entrevistar?
MB: Tanta gente. E há outros que nunca me canso de voltar a entrevistar. Têm sempre coisas interessantes para dizer. Têm sempre tanto para me ensinar.

RA: Foi fácil ser jornalista (mulher) nos anos 80?
MB: Não me posso queixar. Sinceramente, nunca senti que por ser mulher estava a ter mais dificuldade em construir a minha carreira.

“Depois de algumas conversas e depois de ter percebido que, com a minha experiência, de algum modo, o poderia ajudar a concretizar o seu sonho (de, com o seu grupo de comunicação, proporcionar informação e conteúdos de melhor qualidade à comunidade lusófona a residir no Canadá), aceitei o desafio.”

 

RA: Sair da RTP, após mais de 30 anos de casa, foi uma decisão difícil?
MB: Foi uma decisão difícil, mas muito pensada. E foi uma decisão minha. O contexto em que decidi influenciou muito, claro. Havia muita incerteza quanto ao futuro da RTP no Porto e a administração da empresa abriu um plano de apoio às saídas voluntárias com muito boas condições. Eu tinha acabado de fazer 30 anos de casa e pensei que o melhor seria aproveitar o que estavam a oferecer e vir cá para fora continuar a minha vida. Estava muito desgastada com o que se passava, internamente, na minha RTP. E tudo isso pesou. Devo dizer que a própria Administração tentou dissuadir-me. Mas também ninguém, na altura, me dava garantias relativamente à continuidade do meu posto de trabalho no Porto. Diziam que tinham lugar para mim em Lisboa e isso eu não queria. Por isso… saí.

RA: Quando sai da RTP, havia alguma ideia do que o futuro tinha reservado para si? Ou foi um bocadinho às escuras?
MB: Sabia que não me tinha saído o euromilhões (risos) e, por outro lado, que tinha apenas 48 anos e, portanto, tinha que continuar a trabalhar. Mas não tinha nada planeado.

RA: Neste momento trabalha com uma empresa da comunicação social portuguesa no Canadá – MDC Media Group. Como surgiu essa oportunidade? O que é que a levou a aceitar o convite de Manuel DaCosta?
MB: Eu já tinha conhecido o Manuel DaCosta há uns anos, mas na realidade o reencontro deu-se no ano passado. Depois de algumas conversas e depois de ter percebido que, com a minha experiência, de algum modo, o poderia ajudar a concretizar o seu sonho (de, com o seu grupo de comunicação, proporcionar informação e conteúdos de melhor qualidade à comunidade lusófona a residir no Canadá), aceitei o desafio. Para além de tudo mais, tenho um enorme respeito pelo Manuel, enquanto pessoa. É um ser humano extraordinário, muito inteligente e um exemplo de força e resiliência. Comecei por colaborar pontualmente e agora integro mesmo os quadros da MDC Media Group.

RA: É diretora do jornal Milénio Stadium e da Camões TV. Como está a ser fazer parte desta equipa?
MB: É mais um desafio na minha vida (risos). Tenho que gerir tudo à distância, porque continuo a viver em Portugal, mas hoje em dia isso nem é um problema assim tão grande. Há as videochamadas para as reuniões, os e-mails para troca de informação. Claro que, de tempos a tempos, vou ao Canadá, onde fico umas semanas, mas a maior parte do trabalho é feito em Portugal. Tenho, naturalmente, que contar com a colaboração de todos os colegas. Mas depois de alguns acertos normais, no arranque do meu desempenho enquanto diretora “à distância” (risos), acho que agora está tudo a correr dentro da normalidade.

RA: O que é que mudou no jornal Milénio Stadium desde que a Madalena chegou? Há um ponto de viragem?
MB: Não sou eu a pessoa ideal para julgar isso. Prefiro que sejam os leitores a fazer essa apreciação, mas acho que se nota a diferença, essencialmente, nos conteúdos e na forma como o jornal é pensado e estruturado. Trabalhamos muito em equipa e temos tentado abordar os temas de uma forma mais profunda, levantando questões para reflexão e chamando para o jornal gente que tem alguma coisa de interessante para dizer.

RA: A Camões TV adquiriu recentemente mais uma hora em canal aberto, oferecendo assim conteúdos das 10 ao meio dia, todos os domingos, Bell Fibe 1253 e outros. Que tipo de programa é que os telespectadores podem esperar?
MB: Podem esperar o que já está “no ar” há uns meses e podem esperar que o formato seja ainda bastante melhorado. Temos tentado fazer um magazine com conteúdos de interesse para a comunidade portuguesa residente no Canadá. Podem contar com uma seleção dos conteúdos cada vez mais criteriosa e cuidada. Podem também contar com a continuidade do trabalho produzido pela nossa equipa de Portugal, que é uma mais valia do grupo MDC, relativamente aos outros colegas dos media comunitários. Agora estamos a transmitir na Camões TV aquela que é considerada por muitos a série mais bem escrita da televisão portuguesa. Bem-Vindos a Beirais na Camões TV é um orgulho. É excelente, tem um elenco de atores fantástico e diz-nos muito, porque é, acima de tudo, muito portuguesa. Revemo-nos em muitas cenas e em muitas personagens. Recomendo a todos que sigam esta série na Camões TV.

RA: Sente-se que a Camões TV está a apostar numa programação mais variada, diferente do que a comunidade portuguesa estava habituada. Inclusive, aposta cada vez mais em plataformas online. É por aí o caminho? Acha que é esse o maior trunfo?
MB: É, sem dúvida, por aí o caminho. Em breve vamos ter também um novo website da Camões TV, o novo site do Milénio Stadium já está online e queremos apostar muito nessa forma de chegar ao nosso público. Temos que cativar público mais jovem e a mudança de conteúdos terá que pensar sempre nesse objetivo essencial. Há três vetores fundamentais – qualidade do produto apresentado, diversidade de temas e apostar muito em gente nova para fazer os conteúdos. Precisamos de ideias novas e outras formas de fazer as coisas. Claro que cá estarei eu e outros com mais uns aninhos nas pernas, para equilibrar a balança, mas é fundamental apostar na frescura das ideias de quem é mais novo.Sinto também que temos que valorizar o que se faz bem na comunidade e não fazer tudo só porque é feito por portugueses. É que nem tudo é cultura portuguesa. Nem todos os bailes são motivo para deslocar uma equipa de televisão ou mesmo jornalistas a um clube ou associação. Com todo o respeito, mas é o que penso. O que notei quando cheguei é que quase que se sentia uma obrigação de fazer cobertura de tudo e mais alguma coisa. Sinceramente, acho que isso nem nos valoriza a nós, enquanto órgão de comunicação, nem valoriza os eventos que têm efetivamente interesse para a comunidade. Felizmente há total sintonia entre mim e o meu Presidente, que não só concorda como me incentiva a continuar neste caminho. Aliás, tudo o que tem vindo a ser implementado quer no jornal, quer na TV, tem, naturalmente, seguido as orientações que o Manuel DaCosta sempre me deu, quando me transmitiu o que está na sua mente para o projeto MDC.

RA: A Camões TV tem uma equipa em Portugal. Quem faz parte da equipa e que género de conteúdos produzem?
MB: Não é bem a Camões TV é o grupo MDC que tem uma equipa a trabalhar em Portugal. Todos nós, à exceção do Guilherme Ferro que é câmara e editor (por sinal, muitíssimo bom), trabalhamos para as diversas plataformas do grupo. Fazemos rádio para a Camões Radio, escrevemos no Milénio Stadium e produzimos conteúdos para a Camões TV. Fazemos reportagens em diversos locais de interesse do nosso país, entrevistas com desportistas, músicos, cantores, atores. Temos levado para o grupo MDC o melhor de Portugal.
Somos quatro elementos – eu, o Guilherme, a Inês Barbosa, que está sempre disponível, é muito proativa e faz bem tudo o que se pede e o Paulo Perdiz, que começou por trabalhar anos sozinho nesta empresa e agora tem sabido partilhar connosco a sua extraordinária capacidade de não desistir nunca de um objetivo. Cada qual com as suas mais valias, o que é certo é que nos complementamos muito bem. E depois somos já amigos. Divertimo-nos a trabalhar e não há melhor do que isso. O produto final reflete esse ambiente de cumplicidade e cooperação entre nós.

RA: Então podemos dizer que trabalham de norte a sul do país.
MB: Sim. Podem dizer isso. Nós estamos sediados na zona de Vagos e já fomos de propósito ao algarve e viemos no mesmo dia, para fazer reportagem com o nosso grande campeão Nelson Évora. E fomos e viemos felizes e contentes. Chegámos extenuados, mas trouxemos uma entrevista exclusiva com este homem ímpar do desporto mundial.

RA: Na qualidade de profissional de jornalismo, com mais de 30 anos de experiência, que opinião tem da comunicação social portuguesa no Canadá, comparando com outros países onde há também um grande número de emigrantes portugueses?
MB: Por aquilo que conheço acho que, como em todo lado, há bom, há mau, há muito bom e também há muito mau. A tendência natural é que acabem por sobreviver só os que conseguirem acompanhar a evolução dos tempos e a transformação da comunidade.

RA: Apesar de fazer a maioria do trabalho a partir de Portugal, a Madalena tem que vir ao Canadá de vez em quando. Quais são as épocas que, por norma, se justifica que se desloque?
MB: Quando comecei esta aventura tinha dito ao Manuel que, de vez em quando, iria ao Canadá para estar mais próximo dos meus colegas e também da própria comunidade luso-canadiana. No entanto, não há uma calendarização específica. Irei sempre que se justificar, mas em princípio umas duas a três vezes, por ano, chegará. Claro que o mês de junho, por razões óbvias, exige mais a minha presença. Para além disso, acho importante marcar presença em alguns momentos relevantes para o grupo MDC e para a comunidade em geral. Mas a norma é não haver norma. Vou quando o Presidente entender que é conveniente ir. Ele sabe que estou sempre disponível.

RA: Sabemos que a sua filha trabalha na MDC. Começou na empresa, aliás, primeiro que a Madalena. Essa relação de mãe e filha, apesar de poder parecer algo positivo, nem sempre assim é quando toca à vida profissional. Certo?
MB: Certo. Muito certo mesmo. Não é fácil para mim, mas ainda é mais difícil para ela. Afinal, a mãe é também a diretora dela e é preciso saber separar as águas. E eu, que sou exigente, tenho tendência a, com a Catarina, ser ainda mais exigente. Não é justo eu sei, mas é algo que tenho tido dificuldade em controlar. Depois há um outro problema… eu nem reparo, mas ela muitas vezes, no meio de uma conversa de família ao domingo à tarde, por exemplo, diz – “não podemos falar sobre isso amanhã? Quando estivermos a trabalhar?” porque lá estou eu a falar de trabalho (risos). Não é fácil, mas nós cá nos entendemos (risos).

RA: O que se pode esperar de projetos futuros relacionados com o jornal Milénio Stadium e Camões TV?
MB: O que podem esperar para já é pela consolidação do trabalho que temos vindo a realizar. É claro que queremos fazer sempre mais e, principalmente, melhor, mas vamos passo a passo. Podem esperar que todos os que trabalham no grupo MDC estejam cada vez mais empenhados em fazer cumprir o sonho do Presidente Manuel DaCosta.

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RA: Gostaria de a convidar a deixar uma mensagem aos leitores da Revista Amar.
MB: Antes de mais quero agradecer à Revista Amar a honra de ser vossa entrevistada. Aprecio muito o vosso trabalho, já o disse em várias circunstâncias e nem imaginava que ia alguma vez ser entrevistada por vós. A Amar é uma revista que tem muita qualidade e deve orgulhar todos os portugueses residentes na Grande Toronto.
Quanto aos que resistiram e leram esta entrevista até ao fim, quero pedir-lhes desculpa por ocupar tanto do vosso precioso tempo (risos). Afinal, a minha história de vida é igual à de tantas outras mulheres e homens que trabalham naquilo que gostam e se sentem felizes por isso. Desejo que nos encontremos por aí um dia destes e que continuem a seguir e a gostar do nosso trabalho, tanto no Milénio Stadium, quanto na Camões TV e também na Camões Radio. Um grande abraço para todos.

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