Entrevista com o Diretor Executivo da Amnistia Internacional - Portugal
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Entrevista com o Diretor Executivo da Amnistia Internacional – Portugal

Nome: Pedro André Santos Neto
Idade: 38 anos
Curso que frequentou na UA: Mestrado em Gestão e Administração Pública; Programa doutoral em Políticas Públicas, ambos no departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território
Ano de conclusão do curso: Mestrado em 2012; doutoramento (em curso)
Local onde vive atualmente: Lisboa
Menções: Prémio concelhio “Vaga D’Ouro” de mérito na área social. Prémio atribuído pela Câmara Municipal de Vagos, Rádio Vagos FM, Jornal O Ponto.
Foi treinador de Futebol, na escola de Futebol Benfica Aveiro e no Sport Club Beira Mar.

Foi presidente da ONGD ORBIS – Cooperação e Desenvolvimento, em Aveiro, onde levou a efeito projetos de desenvolvimento nos PALOP e Brasil, e foi diretor adjunto do CUFC-Centro Universitário Fé e Cultura, na Diocese e Universidade de Aveiro. Foi também professor do ensino secundário público e do Instituto Superior de Ciências Religiosas de Aveiro.

Desenvolveu várias missões de voluntariado, desde 2004: ao interior de Angola, num campo de refugiados do ACNUR, e, depois, em Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e o Brasil, na Amazónia.

Licenciou-se em História, variante de Arqueologia, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, tendo-se pós-graduado em Ciências da Educação pela Universidade Católica Portuguesa, em Ciências Religiosas pelo Instituto Superior de Ciências Religiosas de Aveiro, e em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. É Mestre em Gestão e Administração Pública pela Universidade de Aveiro, com uma tese sobre Direitos Humanos e Governação em Angola, e doutorando em Políticas Públicas, na mesma universidade.

Desde maio de 2016 exerce as funções de diretor executivo, na Amnistia Internacional-Portugal.

O mundo em que coabitamos tornou-se mais perigoso… algum tempo a esta parte.

Revista Amar – Relativamente ao respeito pelos Direitos Humanos como é que a Amnistia Internacional vê a escalada verbal e bélica entre os principais decisores políticos mundiais ?

Pedro Neto – Durante o ano de 2018, o mundo assistiu de facto a uma estratégia cínica de manipulação da informação para lançar sementes de medo, de ódio, sementes de nós ou eles e que, por isso, tem de ser nós contra eles, porque eles – sempre os outros – são os culpados de todos os nossos problemas. Essa estratégia cínica surtiu efeito, teve votos, elegeu líderes, mudou por isso o mundo onde vivemos e o establishment político em que vivemos. Hoje testemunhamos líderes políticos de alguns países que, na sua linha, não privilegiam os direitos humanos como valor fundamental na concepção das suas políticas públicas, pelo contrário, atropelam os direitos humanos, não olhando a eles para atingirem os seus objetivos.

Donald Trump, Viktor Orbán, Recep Erdogan, Rodrigo Duterte são alguns destes líderes, apelando a discursos de ódio, de discriminação, com uma retórica simplista que apela aos medos das pessoas para depois se apresentarem como solução para resolver esses medos, esses males que antes criaram no seu discurso, deturpando a realidade e atropelando todos os que lhes façam frente.
A Amnistia Internacional olha para esta escalada de tensões bélicas e verbais com a atenção que nos define há mais de meio século: cuidar daqueles que sofrem abusos de direitos humanos em consequência deste estado de tensão, investigando e denunciando abusos, protegendo as vítimas e instando a sociedade e as autoridades competentes que responsabilizem os abusadores de direitos humanos pelos seus atos. A liderança política dever ser, tem de ser, um espaço de serviço ao mundo e às pessoas. Não pode ser um lugar onde líderes autoritários com outras visões, não respeitam os direitos humanos.

A Europa vive a braços com uma crise humanitária de refugiados sem precedentes desde a Segunda Guerra Mundial.

Revista Amar – Que balanço faz a Amnistia Internacional das respostas dadas pela União Europeia no acolhimento aos refugiados no estreito cumprimento dos direitos consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem ?

Pedro Neto – A Europa tem falhado rotundamente no acolhimento aos refugiados, quer os refugiados do Médio Oriente, com especial proveniência do Afeganistão, Síria e Iraque; quer dos refugiados de África que fogem a condições impossíveis de vida.
A Amnistia Internacional tem pedido incansavelmente aos líderes europeus que criem rotas legais e seguras que evitem os enormes riscos por que passam os refugiados, quer por terra, quer na travessia do mar Mediterrâneo que tantas vidas tem levado.
Temos instado ainda os líderes europeus que rasguem inequivocamente o acordo feito entre a UE e a Turquia de devolução de refugiados àquele país, dando apoios financeiros à Turquia e prometendo uma maior rapidez na entrada da Turquia na UE. A Turquia não é um país terceiro seguro para refugiados, além de ser um dos países no mundo com mais refugiados no território. O próprio país vive uma crise enorme de direitos humanos a que o mundo assiste de forma mais flagrante desde julho de 2016.

Do mesmo modo, o mecanismo de recolocação de refugiados que estão na Grécia e em Itália tem sido moroso, burocrático e desorganizado, deixando as pessoas à mercê, em situações muito vulneráveis.
É necessário que os países da Europa elevem os seus compromissos de partilha de responsabilidades e de solidariedade no acolhimento de refugiados, quer pela via da recolocação, quer pela via da reinstalação. É também necessário que os refugiados possam reunificar as suas famílias, com celeridade e segurança. Que tenham acesso a cuidados de saúde, a educação e que a sua integração seja facilitada e efetiva durante quanto tempo necessitarem. Os refugiados são pessoas que muito podem dar à Europa, que muito podem contribuir para uma Europa plural, diversificada, onde todos tenhamos lugar e onde todos possamos contribuir para um mundo de respeito, de justiça e de direitos humanos.
A Europa tem falhado, tem andado muito devagar… mas estamos ainda a tempo.

Com o exacerbar dos populismos nacionais e no reverso da medalha o aumento dos discursos discriminatórios e xenófobos.

Revista Amar – Qual será o futuro dos mais elementares Direitos Humanos nesta Europa fragmentada pelos neonacionalismo reinantes ?

Pedro Neto – Deixe-me dar-lhe uma nota de esperança sobre este assunto. Já em 2017 assistimos na Europa a duas eleições nacionais em que as pessoas rejeitaram esses líderes ditos populistas que utilizam uma retórica discriminatória e de ódio: Holanda e França. Claro que os candidatos com este perfil tiveram protagonismo discursivo nas suas campanhas e claro que, não podemos ignorar o que acontece na Hungria, por exemplo, com Viktor Orbán, nem às portas da Europa, com Erdogan na Turquia.
No entanto, não tenho qualquer dúvida de que as pessoas saberão escolher, saberão definir o caminho que querem seguir. Nunca foram governos com narrativas de exclusão a contribuir para um mundo com mais direitos humanos. Nada de novo nesse aspeto. A História já nos mostrou, e mais do que uma vez, as consequências da retórica tóxica e divisiva. Mas há também outra lição que a História nos ensinou: sempre que líderes tentam dividir, demonizar e reprimir, há sempre pessoas determinadas em barrar-lhes o caminho e é isso que acontecerá, é isso que já acontece.
Não podemos ficar em silêncio, não podemos sair do caminho, não podemos ficar indiferentes. É necessário um movimento sustentável de mudança, que começa com este ato simples de desafio – nunca foi tão importante erguermo-nos juntos e barrar o caminho ao ódio e ao medo, ao discurso neonacionalista de que fala. Se nos abrirmos ao outro veremos que ele é tão pessoa quanto eu, é tão frágil e tão forte quanto eu. É tão humano quanto eu e nessa humanidade somos semelhantes. É esse o mundo mais justo e igual que temos de construir todos os dias e repudiar essa visão divisiva que mais não é do que medos e justificações irreais para eles.

O relatório, intitulado O Estado dos Direitos Humanos no Mundo 2016/17, tem mais de 400 páginas, reservando somente duas à situação portuguesa.

Revista Amar – Em que domínios Portugal foi visado nesse recente relatório da Amnistia Internacional.

Pedro Neto – Comparado com outras realidades do mundo, Portugal é um oásis de direitos humanos. Ainda assim, vivemos desafios muito importantes que não podemos descurar. O nosso país tem promessas por cumprir, tem caminho para fazer no que a direitos humanos diz respeito.
Depois da publicação do relatório, Portugal já ensaiou dar destaque legislativo aos crimes de ódio, questão para que alertávamos. Estava em falta. Está ainda em falta a criação de um sistema nacional de recolha de dados sobre este tipo de crimes assentes em discriminação e falta ainda desenvolver as medidas recomendadas em 2013 pela Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância para dirimir o racismo e a discriminação.
Do mesmo modo, a cultura de exclusão persiste, havendo denúncias de uso desnecessário ou excessivo da força pela polícia e de comunidades de costas voltadas à polícia, não a vendo como protetora, mas como agressora e retaliando também, seja com medo, seja a defender-se, seja com dificuldades de encontro e de conciliação.
Os maus-tratos nas prisões portuguesas são também um sinal de discriminação, quando aquilo que as pessoas em reclusão perderam foi a liberdade, nada mais. Uma sentença não priva alguém da sua dignidade e as condições prisionais, a higiene e a qualidade da alimentação continuam inadequadas a essa humanidade que não pode ser negada.
Relatamos ainda alguns aspetos positivos no que aos direitos humanos diz respeito. Em 2016, o Parlamento português reverteu o veto a uma lei que excluía a adopção aos casais do mesmo sexo. Aprovou alterações que melhoraram o acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva e foi adoptada nova legislação que dá às mulheres acesso à reprodução medicamente assistida – incluindo a fertilização in vitro e outros métodos – independentemente do estado civil ou da orientação sexual. A sociedade é hoje, pela lei, mais justa e igualitária para todas as mulheres, permitindo-lhes que escolham se e quando querem ser mães.
Nas disponibilidades de acolhimento de refugiados recolocados da Grécia e da Itália, Portugal tem estado na linha da frente no panorama da União Europeia – também por demérito de muitos outros países da Europa que não estão a cumprir a sua parte na partilha de responsabilidade pela crise de refugiados. Mas continuamos aquém de concretizar a promessa de acolher, proteger e oferecer paz, segurança e dignidade a milhares de pessoas, promessa que nos inspirou a acreditar em Portugal como um exemplo de humanidade. E que queremos ver cumprida. Guia-nos e motiva-nos essa esperança. Junte-se a nós nesta nobre missão, assinando as petições online da Amnistia Internacional – Portugal, sobretudo a petição:

Eu Acolho,
https://www.amnistia.pt/peticao/eu-acolho/

Entrevista: Carlos Cruchinho
Licenciado no Ensino da História de Portugal

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