Joaquim Leitão: O realizador da série Terra Nova
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Joaquim Leitão: O realizador da série Terra Nova

Terra Nova é uma serie de época que acompanha o dia-a-dia das famílias e comunidades piscatórias da costa portuguesa na década de 1930. Joaquim Leitão o realizador explica-nos aqui a viagem pela Terra Nova, a série de época que acompanha o dia-a-dia das famílias das comunidades piscatórias da costa portuguesa na década de 1930, abordando a vida dos pescadores, as suas relações familiares e pessoais e os conflitos políticos da época.

Revista Amar - Portugal - Joaquim Leião - Terra Nova
O realizador português, Joaquim Leitãp – Créditos: Direitos Reservados

 

Joaquim Leitão: O realizador da série Terra Nova

 

Revista Amar: “Terra Nova” fez a sua estreia na RTP1. A superprodução nacional prendeu cerca de meio milhão de espectadores. O sucesso está garantido?
Joaquim Leitão: Os sucessos nunca são garantidos mas é bom começar sempre bem. Se gostaram dos primeiros episódios, de certeza que vão gostar muito mais a cada episódio que passa. A série vai crescendo de tensão, qualidade e de espectacularidade conforme os episódios vão avançando. Espero que as pessoas continuem a ver, porque de facto a série merece devido a sua qualidade. Fala de algo do nosso passado e o modo e maneira de ser português. As pessoas em qualquer parte do mundo português vão reconhecer-se muito, mesmo sendo uma coisa de época. Os instintos, os impulsos, os problemas, o fatalismo, a resiliência…está tudo presente na série. As personagens são muito apaixonantes e cativantes. É uma história surpreendente que nunca foi feita nem nunca se abordou. O resultado é prender as pessoas pela curiosidade.

RA: Uma das principais raízes deste trabalho, é a adaptação á história da peça “O Lugre”, de Bernardo Santareno. Como foi essa adaptação?
JL: Bernardo Santareno é um escritor do séc. XX, tem uma obra muito basta no romance e em peças de teatro. Teve um papel ativo na luta á oposição e um lado muito humano porque era médico. Segundo dizem era um médico afável e que recebia e atendia mesmo aqueles que não tinham dinheiro. Era uma pessoa muito boa e que deixou uma obra que nos dá o volume de quem era o homem. Têm uma maneira digamos de escrever muito particular e que vale a pena ler e descobrir. Ele fala na sua obra de tempos que soam e transportam o leitor para um tempo estranho devido á censura… uns subtextos. No caso da obra “O Lugre” de onde saiu o filme e a série, é exclusivamente passado num barco como se fosse um microcosmos com regime. Um capitão que é um ditador, pessoas que se tentam revoltar e são reprimidas, isso torna se curioso no filme. A série debruça-se mais nas comunidades onde os pescadores partiam, as mulheres, os filhos, as pessoas que ficavam e todas as dificuldades como se vivia naquele tempo. Havia pouco dinheiro e fraco acesso a cultura. Tal como hoje as pessoas faziam tudo para viver bem e serem felizes, cada um à sua maneira.

RA: Era a chamada Faina Maior não era?
JL: Sim. Era quase um nome dado pelo regime da altura. O regime aproveitou a história da pesca do bacalhau um pouco como uma epopeia. Era uma coisa que parecia algo que já não eramos, ou seja, uma grande potência marítima. Essa era a imagem que era dada ocultando um pouco os lados negros desta Faina Maior. Era uma pesca muito perigosa em locais do norte do Atlântico, a frota muito desatualizada e pobre ainda com barcos à vela e condições de vida muito duras onde morria muita gente.

RA: Na série fala-se mais nas famílias e o que se passou no embarque antes e depois. No filme a acção passa mais em alto mar não é?
JL: O filme é exclusivamente passado em alto mar. Começa já a meio da viagem onde vão acontecendo uma serie de coisas. O clima vai ficando cada vez mais tenso acabando de uma forma muito trágica. Muitos conflitos com barcos a motor que vinham de outros países e cada vez mais iam mais para norte onde os perigos eram maiores. Nesses tempos também havia muita superstição e as pessoas sentiam muito medo de ir para aqueles sítios. Isso tudo originou conflitos com o capitão e os pescadores porque havia o receio de ir para longe, acabando mesmo no meio de icebergs e muitas outras coisas que nunca tinham visto na vida.

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RA: Há partes do filme que se podem ver na série?
JL: Sim, há partes do filme que passam na série. A série passa-se antes da partida, durante a viagem e depois da chegada. No bloco durante a viagem a história passa se em paralelo em terra e no mar. A leitura não é a mesma porque os contextos são diferentes ou seja, as cenas em vez de serem seguidas são muito espaçadas e são vistas de outra maneira. Para quem veja a série, se quiser ter a experiencia do filme têm mesmo que o ver porque o filme tem umas qualidades e climas completamente diferentes do da série. Eu não sou o autor do filme quem o fez foi Artur Ribeiro, eu quando vi o filme gostei muito, está bem feito e vale muito a pena. Tem um clima muito forte e a vantagem de maior parte das filmagens terem sido feitas em alto mar o que é muito raro. Maior parte dos filmes deste tipo, é quase tudo feito em estúdio ou locais relativamente abrigados e poucas cenas no meio do mar. Aqui não. Houve a opção da produção e do realizador em filmar no meio do mar onde a luz é muito bonita.

RA: De certeza que o elenco até sentiu mais as personagens.
JL: Exactamente. Até tiveram esse beneficio acrescido. Como os atores foram quase obrigados a viver em circunstâncias parecidas como aquelas que os pescadores marinheiros viviam, acabaram mesmo por sentir tudo de outra maneira incluindo a própria cumplicidade tornando até os conflitos mais simples de perceber porque estão a passar por aquilo que os pescadores passaram. Claro que nada é igual, tiveram mais conforto, melhores condições, Gps para não se perderem no mar… criou se um ambiente muito especial por terem feito as gravações 3 semanas em alto mar.

RA: Enquanto Artur Ribeiro e a equipa de produção e os atores gravavam o filme a bordo do Lugre Santa Maria Manuela, acima do círculo polar ártico, a norte da Noruega, em Portugal o Joaquim Leitão preparava a série?
JL: Sim. Foi um pouco por causa disso que a produtora Ana Costa me fez o convite porque logisticamente fazia mais sentido que logo a seguir ao filme se fizesse a série. Os atores já estavam dentro das personagens e até muitos deles com características físicas tipicamente da época como as barbas e bigodes que deveríamos aproveitar. O Artur Ribeiro não podia fazer a preparação da série porque era muito exigente, ou seja, quando se esta a fazer um filme de época com tantos locais de filmagem como nós tínhamos é um processo que demora meses a encontrar sítios e a transforma-los. Hoje alguns sítios até estão bem conservados mas mesmo assim já rodeados com elementos atuais que é preciso tirar ou esconder. Isto é um trabalho prévio que demora muito tempo tanto na procura como na transformação. Enquanto eles estavam a filmar estava eu com outra equipa a preparar tudo e quando chegaram quase que começamos de imediato a filmar a série.

RA: Podemos apelidar quer o filme, quer a série de documento que retracta a Faina Maior?
JL: Sim, é um documento mas não um documentário. É algo em que nós todos tentámos ser os mais fiéis a tudo quer em aspetos visuais quer de linguagem ou mesmo no guarda-roupa.

RA: E o elenco que entra na série?
JL: O elenco tem muitas pessoas. Algumas muito conhecidas outras não. Nomes como Virgílio Castelo, Sandra Faleiro, Beatriz Barosa, João Jesus, Vítor D´Andrade, João Reis, Pedro Lacerda, Maria João Falcão, Catarina Rebelo, Miguel Borges, Carla Chambel, João Craveiro, João Catarré, Ricardo de Sá, Carolina Amaral, Sara Norte, Vítor Norte….etc. Todos os personagens têm importâncias muito próximas. É um elenco que no seu global fez um estupendo trabalho.

RA: Como é que o melhor realizador português, como é o Joaquim Leitão, vê o seu trabalho e o cinema neste estado de pandemia?
JL: Eu fiz o que todos fizeram. Estive isolado e já estava muito farto de estar em casa, eu que até gosto de estar em casa e sozinho, fartei-me mesmo. Neste momento estou como o mundo inteiro, ou seja, a recomeçar uma vida relativamente normal…não totalmente normal porque temos que ter sempre mais cuidado. Conto começar a filmar muito em breve novos trabalhos tendo em conta formas produtivas e completamente seguras.

Paulo Perdiz

MDC Media Group

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