José Luís Peixoto - De escritor a personagem
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José Luís Peixoto – De escritor a personagem

Na Lisboa de finais dos anos 90, um jovem escritor em crise vê o seu caminho cruzar-se com o de um grande escritor. Dessa relação nasce uma história que mescla realidade e ficção. José Luís Peixoto explora novos temas e cenários e ainda teve coragem de transformar José Saramago em personagem e de chamar Autobiografia a um romance.

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Revista Amar: A palavra autobiografia acompanha-te desde o primeiro livro.
José Luís Peixoto: É verdade, desde o primeiro dia que publiquei. Era um livro muito íntimo. Falava de um tema muito pessoal, o falecimento do meu pai. O livro chama se “Morreste-me”. O próprio título revela essa dimensão e que curiosamente agora passados quase 20 anos chega a ser o titulo de um romance com características completamente diferentes. É normal, tendo em conta que nestes 20 anos já foi feito um caminho longo de vários títulos e de muita escrita.

RA: Nesta tua última obra a ficção e a realidade andam um pouco “à luta”?
JLP: Sim, porque isso acaba por acontecer sempre na literatura – muitas vezes permite que possamos escolher na nossa imaginação vivências que não vivemos a partir de perspetivas que são muito diferentes da nossa, mas efetivamente também é um facto que o nosso ponto de partida, a memória a que nós recorremos e a biblioteca de experiências que temos para folhear são as nossas próprias e por isso também de certa forma estão sempre lá. Eu, como disse antes, nunca virei as costas a isso e de certa forma exponho esse aspeto claramente, ainda para mais tendo uma personagem principal que é um nome bem conhecido… José Saramago. Toda a gente, mesmo quem não o conheceu, tem alguma memória, alguma referência dele. Coloquei-o em situações ficcionadas e construí este livro um pouco diferente do habitual.

RA: Teres vencido o Prémio Saramago com “Nenhum Olhar”, em 2001, e teres tido a oportunidade de conhecer pessoalmente José Saramago, foram duas boas razões para escrever esta obra?
JLP: Sim, claro. Não seria o mesmo se escrevesse sobre qualquer outro escritor com quem não tivesse tido nenhum contacto. Claro que sinto a responsabilidade de utilizar esse nome por tudo aquilo que ele representa para todos. Também a dimensão pessoal de ter memórias minhas com Saramago escritor e com Saramago ser humano.

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RA: Se Saramago ainda fosse vivo, terias coragem de escrever este livro?
JLP: Já tinha considerado essa questão. A minha primeira tentação foi achar que não, que não iria escrever esse livro se o Saramago estivesse vivo, porque ele intimidava-me um pouco por vários motivos. Por ser um homem muito mais velho, por ter uma experiência muito diferente da minha como escritor e por tudo aquilo que ele representava. Ainda assim, mais tarde, voltando a pensar no assunto, acho que haveria uma possibilidade de que ele gostasse desse livro na medida em que se trata de um jogo literário. Saramago para lá de todas as dimensões da sua vida era essencialmente um escritor e alguém que prezava muito a literatura.

RA: Este livro é quase uma homenagem camuflada a Saramago?
JLP: Sim. Para já, só facto de ter escolhido este tema já leva nessa direção e depois também efetivamente é aqui dado conta da sua vida, da perspetiva como ele via o mundo e de momentos tão importantes da história de Portugal que viveu. Acabou por ter essa dimensão de homenagem.

RA: Que momentos importantes da história recente ajudam o leitor a imaginar qual o espaço/tempo?
JLP: A ação do livro passa-se no final dos anos 90, mais concretamente 97 e 98. Foram tempos muito marcantes para Portugal. Vivemos momentos como a Expo 98, por exemplo…referências que eu próprio também recordo e que hoje parecem tão distantes, mas fazem parte de quem nós fomos.

RA: Afinal quantos Josés tem o livro?
JLP: É difícil, porque existe aqui a questão autobiografia. Faz com que eu, que também me chamo José, acabe por me ver às vezes aqui um pouco refletido em certas passagens do livro. Há, claro, o próprio José Saramago também muito importante e depois aqui uma personagem que curiosamente também se chama José que acaba por ser o grande eixo de todo o livro. Na verdade circula entre estas duas vidas: a minha e a do Saramago.

RA: O que é que se segue agora para o escritor José Luís Peixoto?
JLP: Bem, neste momento tenho aí vários projetos em perspetiva. Tenho vontade de voltar a alguns projetos que não trabalho há bastante tempo e dar algum período de pausa à escrita para pensar também num novo romance, mas não para já. Ainda assim dentro da poesia do teatro, do conto, da viagem, da música e dos vários géneros que tenho em mente algum deles irá florir nos próximos tempos. Vamos esperar para ver.

Paulo Perdiz

MDC Media Group

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