José Manuel Carneiro Mendes
Entrevistas

José Manuel Carneiro Mendes

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Créditos © Carmo Monteiro

 

“A Espero que, em 2021, quando isto acabar, que nos saibamos reunir, unir esforços, analisar o que é necessário fazer e como poderemos “dar a volta por cima”. Todos juntos, sem fraturas ou frações. Contem com este Cônsul-Geral para isso!”

 

Nasceu em Lisboa a 18 de maio de 1961 e da capital do ex-Império traz consigo a vontade de conhecer o mundo, de desbravar novas culturas e espalhar a alma portuguesa. José Manuel Carneiro Mendes foi advogado e chegou a experimentar o mundo da comunicação, mas foi a vida de diplomata que o levou a países tão distantes e distintos como – Bósnia e Herzegovina, Venezuela, Áustria, Ucrânia, Paquistão, Alemanha e, embora por períodos mais curtos, Indonésia e Timor-Leste. Na Alemanha, mais concretamente em Düsseldorf, em 2018, recebeu o prémio de “Homem do Ano”, pelo seu trabalho de representação de Portugal na área e arredores. Hoje é Cônsul-Geral de Portugal em Ontário, Manitoba e Território Nunavut.

Com o Sporting no coração, o Liceu Camões e a Faculdade de Direito na Universidade de Lisboa na sua bagagem de formação, José Manuel Carneiro Mendes corre o mundo assumindo a sua vida um tanto nómada que tenta articular, o mais possível, com a vida familiar.

A 29 de agosto de 2020, chegou ao Canadá e assumiu a missão que tem agora em mãos, não temendo enfrentar os desafios de manter unida a comunidade portuguesa e promover a cultura em tempos de isolamento social provocado pela pandemia da Covid-19. O atual Cônsul-Geral de Portugal considera-se um servidor da comunidade luso-canadiana e um representante da mesma, ao mesmo tempo que representa o Estado Português.

José Manuel Carneiro Mendes encontra na célebre frase de John F. Kennedy – “Não perguntes o que o teu país pode fazer por ti, mas sim aquilo que tu podes fazer pelo teu país” – um dos pensamentos basilares de toda a sua ação como diplomata e como português, mas é a Fernando Pessoa que vai buscar a inspiração para nunca esquecer a importância da divulgação da língua portuguesa no mundo – “a minha Pátria é a língua portuguesa”.

Revista Amar: Nasceu em Lisboa e lá viveu a sua infância e juventude. Apesar de, entretanto, ter corrido mundo, o que permanece de Lisboa na sua personalidade e maneira de ser?
José Manuel Carneiro Mendes: A pergunta é interessante, nunca tinha pensado nisso… Bem, talvez um certo cosmopolitismo e curiosidade pelo que é novo, por novos mundos, pela vivência multicultural, a vontade de pôr os “outros” a conviver entre si… Sabe, Lisboa já foi uma capital de um Império, uma cidade aberta ao mundo, habituada a receber e, talvez também por obrigação, a “gostar” de tudo o que é novo. Imagine como seria a cidade de Lisboa entre os secs. XV e XVI, por exemplo, a multiplicidade de costumes, cheiros e cores, ainda não vistos nem sentidos em nenhuma outra cidade europeia… era, seguramente, então a capital mais cosmopolita do mundo, a mais exótica, nela convivendo uma multiplicidade de culturas e de raças, que Portugal estava, então, a pôr em contacto umas com as outras, por termos sido a primeira nação europeia a ousar, de uma forma sistemática, sair deste espaço geográfico, onde nos encontrávamos “encurralados” (não esqueçamos que o nosso caminho para a Europa estava barrado pela Espanha) e, com um projeto “globalizante”, pela primeira vez à escala planetária, sairmos à descoberta da novidade, à procura do inédito, lançando pontes entre os povos e trazendo, para o espaço europeu, a Ásia, a África, a América, a Oceania… Este gosto pelo mundo inteiro como “espaço de conforto”, a vontade de conhecer outros lugares, outros povos, outras culturas, a valorização do que é português, a abertura ao convívio multicultural, tudo isto são elementos que fazem parte do património genético de Lisboa e que eu creio que, talvez por osmose, igualmente farão parte do meu… daí eu me afirmar como “alfacinha convicto e militante” (sorrisos)…

RA: Frequentou uma das mais conhecidas escolas de Lisboa, por onde passaram grandes figuras da cultura portuguesa – o Liceu Camões. Que memórias tem desse tempo?
JMCM: As memórias próprias de um adolescente, em primeiro lugar, e julgo que todos sabem a que é que me estou a referir. Em segundo lugar, as memórias da transição para uma fase da vida mais responsável e, também, mais consciente, principalmente do ponto de vista social. Aliás, entrei no Liceu em 1973, antes do 25 de Abril, o que levou a ter vivido todo o PREC e os primeiros passos e dores da construção e de crescimento da nossa democracia no Liceu Camões, de forma muito intensa. E tem razão, no que respeita aos grandes vultos da cultura portuguesa que passaram por lá, como professores… lembro-me bem de Virgílio Ferreira, o Mário Dionísio também passou por lá…

RA: Quem visita o seu perfil de Facebook fica a perceber que é sportinguista. Os adeptos leoninos costumam afirmar que se trata do único clube verdadeiramente nacional – não de “Lisboa e Benfica”, nem do “Porto” ou “Braga”… é Sporting Clube de Portugal. Para um diplomata esse fator é determinante ou a paixão clubística é mesmo irracional?
JMCM: (Risos) Tem razão, a paixão futebolística tem muito de irracional e, na sua pergunta, colocou já um elemento próprio dessa irracionalidade: os sportinguistas, talvez para “picarem” os adeptos dos outros clubes, podem dizer que o Sporting, por ter Portugal na denominação, será o único clube verdadeiramente nacional; mas, se na realidade fosse assim, só por causa do nome, também os adeptos do Atlético o poderiam fazer (recorde-se que o nome deste clube é Atlético Clube de Portugal…)… ou seja, tão nacionais são uns como os outros – aliás, que eu saiba, os estatutos dos clubes não os impedem de ter, como associados, os nascidos noutras áreas geográficas que não as do local da sua sede ou fundação… (sorriso)

RA: Para além do futebol, que imagino goste de ver principalmente quando joga o seu Sporting, o que mais ocupa os seus tempos livres?
JMCM: Ler, navegar pela Internet, ver cinema, ver televisão, viajar, acompanhar a vida política, sei lá… já gostei mais de escrever, mas ainda gosto, também… o mesmo se passa com a filatelia, tudo atividades que espero retomar de forma mais intensa e sistemática no futuro… não tenho medo dele, aliás, como diria o poeta, em certa medida, tenho até “saudades do futuro”…

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RA: Há escolhas cruciais para o rumo das nossas vidas e a decisão que se toma quando se opta por um determinado curso superior é, normalmente, determinante para o futuro profissional. Quando escolheu cursar Direito na Universidade de Lisboa já desejava que o seu caminho passasse pela vida diplomática?
JMCM: Não, de todo. Nunca pensei na carreira diplomática, só mesmo quando concorri para aceder a esta. O que eu queria era ser advogado – e ainda fui, exerci advocacia durante sete anos.

RA: Entre o final do curso em 1984 e a entrada na carreira de diplomata, em 1992, por onde passou a sua vida profissional?
JMCM: Fui jurista, advogado, inscrito na Ordem e tudo. Também “dei uma perninha”, como costuma dizer-se, na área do jornalismo, nomeadamente no “Mundo Desportivo” e numa revista que pouco tempo teve de existência, de seu nome “Europa”…

RA: Todos sabemos que a conciliação da vida de um diplomata, que é um pouco (ou muito…) nómada, com uma vida familiar estável, nem sempre é fácil. No seu caso, é casado e tem um filho com 22 anos. Como conseguiu articular estes dois lados tão importantes da sua vida?
JMCM: Ao colocar a pergunta da forma como o fez já está, de facto, a dar a respetiva resposta. Nem sempre foi fácil, principalmente quando tive a missão de, como Encarregado de Negócios, reabrir a Embaixada de Portugal em Islamabad, no Paquistão, por força da necessidade de reativar a sua Secção Consular. Foi um enorme desafio, muito gratificante sob vários aspetos, mas, pela primeira vez, a família esteve separada pois, fundamentalmente por razões de segurança, não podia ter comigo um filho adolescente e a minha mulher… e ainda estive por lá entre 2013 e 2015… mas todos os dias, mercê das novas tecnologias, falava com a minha mulher e com o meu filho, por Skype. Tentei ser, sempre, um pai e um marido presente, apesar de tudo, mas reconheço que não foi fácil. Sabe, nestas coisas da vida diplomática os cônjuges já sabem ao que vão, o que é que isso implica. Já no que respeita aos filhos, eles não escolheram nada, não foram “tidos nem achados” nas opções dos pais. E é, muitas vezes, extremamente difícil dizer a um filho, principalmente quando pré-adolescente (ou já quase adulto), faz as tuas malas e vamos mudar de país, pois o pai foi colocado noutro posto. É que lhes estamos a pedir que abandonem, radicalmente, os seus amigos, as suas namoradas, toda a sua atual vida, enfim. É duro e nem sempre as coisas correm bem…

RA: A sua primeira missão diplomática levou-o para Sarajevo, numa altura ainda muito difícil para a região dos Balcãs. Digamos que não foi um início muito meigo… que memórias tem desse tempo e do trabalho que lá desenvolveu?
JMCM: Muito boas! Por um lado, no entanto, foi muito duro, claro, porque, quando lá cheguei, em meados de 1996, a guerra tinha acabado, de facto, há poucos meses ainda, sem os Acordos de Dayton, posteriormente confirmados em Paris, terem sequer feito um ano. A cidade encontrava-se muito danificada, mostrando ainda alguns dos seus bairros completamente arrasados pelos bombardeamentos durante o cerco a Sarajevo (como o de Dobrinja, junto ao aeroporto)… Éramos protegidos pelo GOE (Grupo de Operações Especiais da PSP) e cheguei a usar colete à prova de balas. A cidade racionava ainda o abastecimento de gás e de eletricidade, com cortes frequentes e prolongados. Existiam apenas dois ou três restaurantes e os seus menus eram extremamente limitados, quase reduzidos às pizzas. Mas a camaradagem dentro da Missão Diplomática era ótima, o convívio com os militares portugueses da missão de paz era excelente e muito agradável e o trabalho diplomático foi enormemente enriquecedor (a comunidade diplomática era, também, muito unida…). Representou, para mim, de facto, um enorme desafio, mas também ficou em mim, reconheço-o, o “bichinho” dos Balcãs – em tempos de pandemia seria de mau gosto dizer agora “vírus” (sorrisos).

RA: De então para cá foram muitos os destinos da sua vida profissional – olhando para trás é possível escolher o que lhe ficou mais na memória e no coração? Se sim, porquê?
JMCM: Costuma-se dizer que não há amor como o primeiro… mas não, não consigo escolher nenhum, entre Bósnia e Herzegovina, Venezuela, Áustria, Ucrânia, Paquistão, Alemanha e, embora por períodos mais curtos, Indonésia e Timor-Leste…

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RA: Chegou a Toronto, como Cônsul-Geral de Portugal em plena pandemia. Assume funções numa cidade que tem uma importante comunidade portuguesa e que por razões várias nem sempre teve um bom relacionamento com os serviços consulares. Nestes primeiros meses quais têm sido as suas prioridades?
JMCM: Como diria o Senhor de La Palice, fazer por perceber, primeiro, o meio em que estou inserido, tentar compreender tudo o que está à minha volta, nomeadamente o que é que levou a colocar-me esta pergunta da forma como o fez… mas, concordo consigo, com esta pandemia não está a ser fácil. Por isso, para já, a minha principal prioridade é assegurar que os serviços consulares não colapsem e que os mesmos estejam garantidos, obviamente nos termos a que esta pandemia nos obriga, seguindo as instruções, recomendações e diretivas das autoridades políticas e sanitárias deste país e, também, naturalmente, do governo português. Seguidamente, tentar melhorar o que houver a melhorar, no âmbito do atendimento consular (salvaguardando, desde já, que encontrei uma equipa consular de excelência, neste aspeto considero-me muito afortunado…) e, logo que possível, aplicar e desenvolver o que tem sido, noutros postos por onde tenho passado, a minha habitual política de proximidade com a Comunidade Portuguesa e Lusófona, apoiando e estimulando as suas iniciativas culturais e associativas, dando-lhes visibilidade e apoiando a afirmação cívica, cultural e política de todos os portugueses na minha área de jurisdição consular no Canadá.

RA: E quais são os grandes objetivos que pretende atingir durante o tempo que estiver a exercer estas funções no Canadá?
JMCM: Creio que já terei respondido na pergunta anterior. Contudo, posso ainda reforçar a resposta: o meu grande objetivo, quando deixar de exercer aqui funções, é a Comunidade e a Lusofonia em geral poderem fazer um balanço largamente positivo da minha passagem por aqui enquanto Cônsul Geral. E, também, contribuir para que todos se apercebam da força da Língua Portuguesa e da importância que o seu ensino representa. Somos a quarta ou quinta língua mais falada no mundo (depende dos critérios utilizados), a mais falada no hemisfério sul, centenas de milhões de falantes!!! Neste enquadramento, cada vez mais aquela afirmação de Fernando Pessoa, “A minha Pátria é a Língua Portuguesa!”, adquire uma dimensão mais importante, projetando, em todos nós, um conceito radicalmente provocador: assumamos a condição de compatriotas na língua com todos os que falem português!… E ajamos em consonância!…

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RA: A comunidade portuguesa na GTA, que ao longo dos anos tem sido o verdadeiro motor de promoção e consolidação da cultura portuguesa nesta região, está a viver tempos particularmente difíceis. O que pode o Sr. Cônsul fazer para ajudar os luso-canadianos aqui residentes a continuar o trabalho das Associações e Clubes da comunidade?
JMCM: Enquanto os efeitos desta pandemia estiverem assim, sejamos realistas, o que eu posso fazer é tentar manter a “chama” viva, a par dos apoios que o Ministério dos Negócios Estrangeiros continua a dar, no âmbito das iniciativas culturais promovidas pelo Movimento Associativo e pelas Direções Escolares, nomeadamente através da Direção Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas e do Instituto Camões. Esta pandemia não durará para sempre e, para já, importa apelar a todas as nossas forças, a toda a nossa capacidade de resiliência, a toda a nossa esperança, para que, quando isto acabar, possamos retomar as celebrações da nossa portugalidade. Pelo meu lado, cá estarei para apoiar, promover e dar visibilidade a todas essas iniciativas, reconhecendo, simultaneamente, o trabalho e o empenho da Comunidade Portuguesa e Lusófona, bem como dos seus líderes ou representantes. E, principalmente nos tempos que correm, tendo em mente aquela afirmação do Presidente John Kennedy que eu gosto de recordar: “Não perguntes tanto o que é que o teu país pode fazer por ti, mas sim o que é que podes fazer pelo teu país”…

RA: Estamos no início de um novo ano. A esperança parece que se renova com a chegada do dia 1 de janeiro. O que espera que 2021 represente para a humanidade, para a comunidade portuguesa residente no Ontário e para si, pessoalmente?
JMCM: No fundo, a resposta à sua pergunta é muito simples: tempos melhores, para todos e cada um, eu inclusive, pois estes estão a ser terríveis para todos, sem exceção. E isso passa por tanta coisa! Claro que, numa perspetiva do que poderá ser melhor para a humanidade e para cada um de nós, em primeiro lugar, que esta pandemia acabe! E, depois, então, faremos o balanço dos seus efeitos e agiremos em conformidade. Todos nós, em conjunto, fundamental e essencialmente sempre com base numa perspetiva comunitária. Espero que, em 2021, quando isto acabar, que nos saibamos reunir, unir esforços, analisar o que é necessário fazer e como poderemos “dar a volta por cima”. Todos juntos, sem fraturas ou frações. Contem com este Cônsul-Geral para isso! Pelo meu lado, conto com a vossa ajuda, com a vossa entre-ajuda e com a vossa união. Todos juntos, haveremos de vencer isto!

Madalena Balça

MDC Media Group

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