Olhos que falam de ti
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Olhos que falam de ti

Canção de amor

 

Os meus olhos declamam a tua alma. O breve contemplar que recita com gestos melodiosos a filosofia do amor. O breve que exprime em tom solene a aclamada afeição. É a interpretação que determina a arte enriquecida. O contentamento perante a voz firme. A minha. Tudo é seguro, ou pintado de branco puro. Nada é escrito; goteja do corpo. Do teu corpo inteiro. Não perspetivo nada. Apenas o agora. Somente o tempo de estarmos juntos, unicamente as colinas ao fundo e o mar adiante de tudo. Porque as estrelas que iluminam o nosso caminho são as que nos fazem respirar a eternidade.

Há uma espécie de preenchimento dentro de mim. Um género de desempenho que não se vê, apenas o sentir; pensar-te sem filtros, devagar, e lentas as borboletas que percorrem o jardim da nossa casa. Oiço o mundo proclamar. É doidice. E deles a lonjura dos séculos.

Trabalho bastante as portas do medo. O amor oferece copiosos afazeres. E quem não arrisca o amor corre o sério risco de ser riscado do mapa. Contudo, não obstante, o sentimento afetivo carrega uma recompensa grandiosa quando degustado de forma recíproca. Descobri que amar-te é um evidente sinónimo de existência. O mais hábil sinal de gratidão. Porque o amor também se agradece.

Os meus olhos caminham os teus. A minha boca torna-se aconchego na tua. O meu coração alberga o teu e sabe sempre para onde determinar; para o interior do teu abraço, claramente. Sorrimos o peito inteiro, enquanto te abraço, cheiro o teu corpo, percorro a tua pele morena, encrespamos o amor. O meu respirar é a tua presença. Contigo, através das tuas palavras embriagadas de prazer, dos teus gestos simples, do teu motivo lesto. Da causa de todos os males ao germinar de novo. Dos andaimes vagarosos aos poemas de amor.

“Horas mortas…Curvada aos pés do Monte
A planície é um brasido…e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção duma fonte!”

Palavras de Florbela Espanca. Os versos que falam de amor, de saudade, de sofrimento, de solidão. Considerada a maior fazedora de poemas de todos os tempos. De todos os mundos.

“E quando, manhã alta,o sol posponte
A oiro a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!”

Julgo-me semelhante ao Alentejo. Folheio-me, de cadáver descalço, sereno, iluminado, o sol da cor de todas as cores. Pertenço à paz que adivinha o tempo, por onde o ar caminha. O meu Alentejo de país a céu aberto. A soma geral, certeira, as casas barradas de azul, as terras lavradas, as mãos gastas, o rosto franzido de inúmeras histórias por contar. Sou eu no meu mundo alentejano; conquanto, trago-te nos mares de trigo, na vindima abundante, na latejante imensidão, no cérebro torrado dos prados. Tudo a mim pertence. O tragar da sede, simples. Alentejo. Ou além do Tejo. Mas nunca além de ti. Para outros a demora, para mim a medida indubitável. Sou da opinião de que quem corre o amor merece chegar em primeiro lugar à meta do coração. E todos os dias somos o primeiro lugar um do outro. Obrigado imenso por seres o meu redor, o meu mundo inteiro. Obrigado por seres o jardim que intensamente rega o meu quintal. Juntos construímos uma família, um único rosto. Juntos.

Que a vida nos permita sempre. E que a plenitude seja o grande ruído das nossas vidas.

André Marques

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