Arte das grafiteiras
Arte & CulturaToronto

Arte das grafiteiras

Revista Amar - Arte das grafiteiras - College_Dufferin Erica
College & Dufferin – Erika Gosich Rose/EGR – Créditos © Manuela Marujo

 

Toronto é uma cidade que, nos últimos anos, prova ter ultrapassado o forte preconceito contra os artistas de grafíti. Consideradas atos de vandalismo pelos mais conservadores, as pinturas dos grafiteiros começaram a ser reconhecidas e valorizadas.

Esta manifestação de arte urbana pode admirar-se nas paredes de edifícios, túneis, pontes e outros lugares públicos. Os grafitos (ou ”graffiti” – termo italiano usado com mais frequência), referem-se à arte de rua que, desse modo, democratiza o acesso a obras de arte, inacessível àqueles que não têm o hábito ou possibilidade de entrar em museus, centros culturais ou galerias. A tradição dos desenhos estilizados que caracterizam a arte “graffiti” remonta às inscrições encontradas nas cavernas habitadas pelos primeiros seres humanos. Na era contemporânea, foi devido ao movimento cultural “hip-hop” surgido nos Estados Unidos, nos anos setenta, que a arte dos grafiteiros se desenvolveu e veio revolucionar o espaço urbano. Em Nova Iorque, o bairro de Bronx é considerado o berço deste tipo de arte. Quem esteve na raiz do movimento foram artistas latinos, jamaicanos e afro-americanos. No início, mantinham o anonimato, pintando, durante a noite, a tinta “spray” uma mensagem de rebeldia.

Nas últimas décadas, artistas de todo o mundo têm aderido e internacionalizado esta arte, criando obras como forma de protesto, de caráter político, social, humanitário e artístico. Tornou-se de tal modo importante, que há artistas, como é o caso do misterioso britânico Banksy, cujas obras estão a ser leiloadas por milhões de dólares, ao nível de pintores mundialmente reconhecidos.

Quando percorro certas ruas da cidade de Toronto, encanto-me com as obras que vou descobrindo. Subsidiados pelo governo, por variadas organizações que apoiam artistas, ou ainda patrocinados por entidades particulares, podemos admirar os seus murais coloridos em paredes, portas de garagens, nas traseiras de ruas (“laneways”), becos, passagens subterrâneas, etc.

 

Revista Amar - Arte das grafiteiras - All She Wrote Anthology

 

O filme All She Wrote Anthology (2017), dirigido e produzido por uma luso-canadiana, Idalina Leandro, chamou-me particular atenção para a existência das grafiteiras. No filme, Idalina documenta o percurso de oito mulheres artistas, de origens diversas, que desenvolvem a sua arte em vários continentes. Paula Gonzalez é a artista canadiana escolhida para o filme. De origem chilena e usando o nome artístico “La Bomba”, Paula é considerada a pioneira desta expressão artística em Toronto, onde começou a pintar na década de oitenta. Presentemente Paula ensina e dirige grupos de jovens artistas em muitos projetos.

 

Revista Amar - Arte das grafiteiras - La Bomba - Paula Gonzalez
La Bomba – Paula Gonzalez – Créditos © Manuela Marujo
Revista Amar - Arte das grafiteiras - La Bomba - Paula Gonzalez
La Bomba – Paula Gonzalez – Créditos © Manuela Marujo

 

Na cidade, são muitas as artistas que nos têm brindado com alguns murais impressionantes. Stephanie Bellefleur, de origem venezuelana, participou em dois que estão entre os meus favoritos: um a preto e branco, criado em 2016, pintado na parede lateral dum edifício de doze andares, no cruzamento da St. Clair Avenue e Yonge Street. Conhecido como o “St. Clair Mural”, representa uma figura humana em posição fetal que, depois de se observar mais atentamente, se percebe conter imagens de alguns edifícios ex-líbris da cidade, casas, parques e ravinas. O outro, intitulado “Equilibrium”, datado de 2018, cobre totalmente a parede dum edifício de vinte e três andares, no cruzamento da Jarvis Street e Carlton, e procura representar a diversidade multirracial da cidade unida sob um arco-íris. Nestas duas obras de proporções imponentes, Stephanie Bellefleur colaborou com dois artistas de renome internacional: no primeiro, o inglês Phlegm, no segundo, o espanhol Okuda San Miguel.

 

Revista Amar - Arte das grafiteiras - La Bomba - Equilibrium - Haus - Stephanie Bellefleur
Haus – Stephanie Bellefleur – Créditos © Manuela Marujo
Revista Amar - Arte das grafiteiras - La Bomba - Equilibrium - Osuka e Bellefleur
Equilibrium – Okuda e Bellefleur – Créditos © Manuela Marujo
Revista Amar - Arte das grafiteiras - La Bomba - Equilibrium - Haus - St. Clair Mural - Phlegm e Bellefleur
St. Clair Mural – Phlegm e Okuda – Créditos © Manuela Marujo

 

Muitas outras artistas embelezam a cidade através dos seus grafitos. Com elevado sentido estético e técnicas muito diferentes, estas mulheres desafiam a “a ordem estabelecida”, expressando o seu posicionamento face a questões controversas e polémicas. Os movimentos “Me too” e “Black Lives Matters” são apenas dois dos mais recentes exemplos. As “laneways” (ruelas) da conhecida Queen Street West exibem algumas das melhores obras criadas pelas artistas da cidade: Nancy King/Chief Lady Bird, Erika Gosich Rose/EGR, Caitlin Taguibao, entre outras.

 

Revista Amar - Arte das grafiteiras - La Bomba - Equilibrium - Haus - St. Clair Mural - Nancy King - Chief Lady Bird
Nancy King – Chief Lady Bird – Créditos © Manuela Marujo
Revista Amar - Arte das grafiteiras - La Bomba - Equilibrium - Haus - St. Clair Mural - Nancy King - Caitlin Taguibao
Caitlin Taguibao – Créditos © Manuela Marujo

 

A arte urbana pretende estimular o pensamento crítico, consciencializar para a justiça social e embelezar espaços degradados da cidade. Presto, neste mês de março, a minha homenagem a estas mulheres pela coragem, força e criatividade que dedicam à arte dos grafitos.

Manuela Marujo

Professora Emérita da Universidade de Toronto

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