Flávio Silva: A dança de corpo e alma
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Flávio Silva: A dança de corpo e alma

“Compete, não invejes” – provérbio árabe. A dança é um ser animal que fala, que grita, que não menciona o pouco, que balança. O mundo a sobrevir, haja o que houver – e a vida responde mais leve, menos inferno, como um deus que executa movimentos e faz suscitar. A dança liberta a alma, que rima com calma. E quem não dança, morre parado – executar o corpo é terapêutico, dos pés à cabeça, uma forma de claros sentimentos manifestos. Porque a alegria é o que não se espera além das dores, o olhar do homem sacro, da súplica de quem acostuma as luzes do firmamento – a divina consagração, a serenidade do respirar longo, a terra ambicionada. No entanto, os nós de laços vermelhos, o toque da sublevação, o legado é simples e belo, e quanto mais sobe o testamento – menos fome, menos sofrimento, menos desassossego. Que a dança seja uma lição de escrever, que as palavras não sejam cegas, surdas e sem caligrafias absurdas. Aqui.

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A arte de exprimir “Danças de salão” é promulgada em grandes salas – recepções, bailes, exposições, pavilhões. Com práticas técnicas e relativas às artes, como forma de entretenimento e de integração social, sempre. A dança é uma inexplicável ternura, o ópio da vida, e nunca vem sem par; sente-se acompanhada, faz das montanhas um ser plano. Por entre árvores gigantes e cidades vastas, a intensidade dos movimentos a transbordar para lá do sol, a dramaticidade de um amor inteiro. O autêntico lugar onde os dançarinos beijam a proximidade e o olhar abraça a intensidade. E se em Itália a felicidade tem nome de Stefano Di Filippo, em Portugal a aptidão natural dá pela aprovação entusiástica de Flávio Silva – como uma flecha que se multiplica pelo ar e atinge corações vários, entre a sombra e a alma, e se a vida tem penúria de existência, que seja a dançar, a curar, a melhorar o humor, a apagar qualquer dor com extremo amor.

“Leva-me longe, meu suspiro fundo, além do que deseja e que começa, lá muito longe, onde o viver se esqueça das formas metafísicas do mundo.” – Fernando Pessoa, poemas escolhidos.

Muito antes do nosso incônscio, retirem os deuses, o ano de 2002 em traços de epígrafe, a estreia impreterível – como bom presságio – de Flávio Silva nas danças de salão, pelas mãos breves e determinadas da escola de dança “Capricho Moitense”. A observância rigorosa e paralela dos estudos, o simultâneo da ação, o tempo educado e estruturado. O rudimentar dos passos, na dianteira de todos, a desenvoltura, o futuro promitente, a forma exímia de gerir os objetos mais adversos e a certeza da riqueza envolvente. O resto é agora, a morte é somente uma vírgula. Somente.

O cerco onde os ciganos não subtraem às escondidas a sorte alheia, os fadistas recriam novas tristezas, novos murmúrios, novos caminhos, tabernas antigas, ruas escuras e sujas, o ano de 2003 diante de si como remédio santo, o capítulo das competições nacionais – chegam todos lá, se nasce a vontade de chegar – através do andamento certeiro da APPDSI (Associação Portuguesa de Professores de Dança de Salão Internacional), da extravagância arrebatada, no escalão mais baixo; um tal de “Novice C” – escalão junior. Os sonhos são olhos que tudo imaginam e alcançam.
“Aos trambolhões me inspiro, mal podendo respirar, ter-me de pé me exalto, e os meus versos são eu não poder estoirar de viver”. – Fernando Pessoa, poemas escolhidos.

A dança liberta-nos para um espaço que não este, não há certo ou errado, a liberdade volúvel permite-nos à mudança, como se da última ida e vinda se tratasse, ou do último dia de vida se tratasse – o gargalhar do vento ao transpor, o cantar a meia voz das rosas, o tumulto das águas imensas. Há homens que não entendem a linguagem da dança, que penosos e silenciosos devem ser; e o ser aqui não habita. Quando as palavras não são imprescindíveis, ou chamadas à razão, linguagem nenhuma encerra responsabilidades acrescidas. Subsiste – e que bem que existe – o dicionário do sacrifício, da destreza dos sentidos, do fresco pela manhã, da compreensão, da filosofia cara, de quem realmente sabe o que quer, quando quer.

Quem dança, indubitavelmente, cria histórias – textos fecundos, formas simples de contar. Vive-se. Sente-se. Pensa-se. Fala-se. Comunica-se através da dança, por mais ingénuo que seja o passo, ou o destino. O acontecer pelo país ao ritmo do “Chachachá”, do “Jive”, do “Paso-doble”, da “Rumba”, e do “Samba”. A solidez evidente, as desimpedidas demonstrações de carinho ao longo dos anos tornaram-se incontestáveis. O Flávio. Um candeeiro ou um candelabro; há poetas consistentes e há dançarinos que sabem florir, como é o caso acima. A pátria a existir, de norte a sul, em competições severas, sempre com a bandeira do amor ao peito. O trilho que tanto perturba, semelhante a um mar que sofre de encontro às coisas inabaláveis.

Em 2010, por força da constância, imputa-se campeão regional no escalão “Adultos intermédios”. O sol derramado sobre as gentes, o orgulho, a consolidação, o trabalhar afincadamente, o nada mais a provar, a esplendorosa festa à janela dos triunfantes, ou à abertura semelhante com vista para o Funchal, Madeira. Uma viagem sem vendavais ou estendais partidos. A ossatura inclinada às colinas como pano de fundo, os jardins e as adegas de vinho. A silhueta semelhante à Fortaleza de São Tiago; vasta e portuguesa. Por meros ecos, da aldeia do mundo, o recordar a gelatina do Tejo e o caminhar por Salou, Espanha, pela excelência da Costa Dourada, através das praias, da diversão.

O dançador de profissão que agora se encontra na FPDD (Federação Portuguesa de Dança Desportiva) no escalão “Open”, o mais competitivo de alta rivalidade. A excelência de um dançarino observa-se na entrega do corpo às pistas. A vida em harmonia. O ritmo perfeito. Um amor que sai de dentro para fora.

Flávio Silva – um ser amado num país que segue além do que vê, do que sente, do que sonha. Um país inteiro dentro dos pés.

André Marques

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