Amália - Figura de Estilo: entre jóias e bugigangas
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Amália – Figura de Estilo: entre jóias e bugigangas

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Quando me resolvi a escrever sobre o centenário de Amália Rodrigues, estava longe de imaginar que viria a escrever sobre os artigos pessoais de Amália. Autora de uma verdadeira revolução da canção nacional, seria também pioneira na moda entre as fadistas, introduzindo o negro nas vestes e o vestido comprido; o que mais tarde, o jornalista Fernando Dacosta, denominaria os “paramentos de Amália”.

Trouxe ao fado uma cerimónia e um requinte, que até então não existia. Ela própria, que se dizia triste; escondia uma alegria prodigiosa, que revelava amiúde. Mas é especialmente nas “suas bugigangas”, como se referia aos seus objetos de culto, que se transnude uma Amália com olho para o detalhe e para a elegância, moldado pela vertente cosmopolita; uma personalidade colorida e eclética; por vezes a roçar um estilo aciganado que combinava com o seu espírito nómada, desprovido de pretensões. A grande dualidade de Amália, que vivia as noites como se fossem dias; toda ela sombra e simultaneamente, um sol radioso; revela-se no seu guarda-roupa e nos demais objetos de uso pessoal.

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Um dos três vestidos que usou nos 50 anos de carreira, no Coliseu de Lisboa, da autoria de Dona Ilda Aleixo
Créditos: Direitos Reservados

 

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Pormenor do roupeiro da casa de Amália; atualmente Fundação Amália
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Em palco, diz-se que Amália se tornava imensa. Um efeito criado pela astúcia da sua modista pessoal, Dona Ilda Aleixo; uma dupla de sucesso, que começou em 1967, quando Dona Ilda lhe fez o primeiro vestido com que atuou no Olympia. Antes desse encontro prodigioso, colaborou com diversos estilistas portugueses, como Pinto de Campos, Ana Maravilhas e Teresa Mimoso.

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Vestido desenhado por António José Pinto de Campos (1908-1975) com que Amália cantou no Lincoln Center for the Performing Arts, New York
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A partir da década de 70 e até ao final da vida de Amália, é Dona Ilda Aleixo que lhe irá confecionar os vestidos, muitos dos quais idealizados por Amália. A modista, através de um truque rigoroso e matemático, cosia a cintura dos vestidos abaixo do corpo, para que se criasse a ilusão de equilibrio; e era assim que Amália se erguia do seu metro e cinquenta e oito, em palco. Dona Ilda ter-lhe-á talhado cerca de 200 vestidos de cena.

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Vestido usado no Olympia, em 1980; criação de D. Ilda Aleixo
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Este truque, aliado à coleção de 17 pares de sapatos de palco, com plataforma e feitos por encomenda, em Portugal, que tinham entre 15 a 17 centímetros.

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Para além dos sapatos de palco, Amália tinha culto por os sapatos. Sendo uma senhora abnegada e de grande generosidade com todos os que lhe pedissem ajuda; a única coisa que se recusava a dar, eram os seus adorados sapatos.

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A coleção da sua Fundação, é detentora de 177 pares de sapatos, maioritariamente para eventos formais; com exemplares da Prada, Sergio Rossi, Versace, Yves Saint Laurent; Salvatore Ferragamo, Charles Jourdan, Baldinini, Di Sandro, Bruno Magli… muitas marcas italianas mas também portuguesas, como a Mabelle ou a Mariazinha. Mas no dia-a-dia, optava por socas de cunha, para usar com os seus confortaveis balandraus; uns vestidos compridos, largos, e leves, sempre coloridos. Tinha cerca de 20.

 

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Por estrear, ficou um vestido em renda branca, feito para o espetáculo dos seus 50 anos de carreira, onde recebeu a condecoração das mãos do então Presidente Mário Soares. Contudo, ao vestir o vestido acabado de fazer; exclamou: “Vão dizer que pareço uma noiva!” E acabou por nunca o usar. Por acabar, ficou um vestido vermelho. Um dos seus vestidos favoritos, era o “Vestido dos Malmequeres”.

 

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Como em tudo, nada obedecia ao ciclo natural dos dias; mas das vontades e estados de espírito. Tanto podia fazer provas dos vestidos às três da tarde, como às três da manhã. Dona Ilda passou a morar com ela, e desde muito cedo se tornou cúmplice e amiga de Amália. A maioria das vestes da fadista, eram confeccionadas à mão; contudo se gostasse de alguma peça que visse numa montra, pedia a alguém para ir comprar; já que não gostava de entrar em lojas. Por vezes, pedia até que comprassem a mesma peça em várias cores, já a pensar como haveria de conjugá-las com a roupa que tinha. Mas o que a divertia, era “surripiar” as blusas de extremo bom gosto, à sua amiga Maluda; reconhecida pintora que a retratou, entre outros artistas. De espírito brincalhão, Maluda, chegou a perguntar-lhe no programa “Parabéns”, de Herman José; quando poderia comprar uma blusa para ela própria, sem que Amália a “roubasse”.

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Ainda na década de 80, doou inúmeros vestidos de palco ao Museu Nacional de Teatro. Cada vestido, sapato, jóia, contam histórias da sua carreira. A Fundação Amália Rodrigues é detentora de uma extraordinária colecção de jóias como pulseiras, anéis, pregadeiras e brincos; trabalhados em ouro, filigrana, diamantes, ametistas, rubis e esmeraldas. A maioria delas são de fabrico nacional, datadas dos séculos XVII, XVIII, XIX e XX. Os brincos teriam de “ser visíveis da última fila da sala”, segundo a vontade de Amália; por isso, eram longos e brilhantes. Exemplo disso, eram os seus brincos “Coliseu”. Mas a sua jóia de eleição, que juram ser mesmo um talismã, era o alfinete “Estrelinha”, jóia do século XIX, em ouro e diamantes, e também a mais admirada pelo público. Em Paris, chegou a perdê-lo, e só por sorte, o foram encontrar caído numa sarjeta. Contudo, as jóias de valor inestimável que nunca podiam faltar em palco, mas que estavam resguardadas do olhar da audiência, eram as medalhinhas dos seus protectores: Nossa Senhora do Carmo, Nossa Senhora de Fátima e Jesus Crucificado. Dizem que se recusava mesmo a entrar em palco sem o fio com as medalhinhas.

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As jóias assumiram um papel preponderante na vida de Amália: adorava-as, quer fossem bugigangas ou verdadeiras. Tinha gavetas e gavetas cheias de pulseiras, brincos, alfinetes de dama, colares compridos. No dia a dia, Amália usava joias “aciganadas” como ela gostava de lhes chamar. A cor e os brilhos eram indispensáveis.

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A ourivesaria Ouronor, na Póvoa do lanhoso, em 2008, começou a recriar as jóias mais emblemáticas da artista. Uma das mais icónicas são os “Brincos da Deusa”, oferecidos pelo marido César Seabra, antes de casarem, no Rio de Janeiro. Amália também inovou a forma de se usar jóias; veja-se por exemplo, como exibia os alfinetes junto à anca.
Quanto aos acessórios, Amália dava preferência aos óculos de sol enormes, aos lenços, écharpes e leques. Gostava de usar maquilhagem, desde cedo passou a traçar a preto os olhos e o vermelho nos lábios. As suas marcas de eleição, eram a Christian Dior e a Yves Saint Laurent. Já o seu perfume favorito, era Joy, de Jean Patou, que usava até à exaustão. Todos estes objectos pessoais, como os vestidos, sapatos e até os seus próprios produtos de maquilhagem, poderá encontrar inalteráveis; quase como se ela ainda lá vivesse, naquela que foi durante mais de trinta anos, a casa de Amália Rodrigues; e é presentemente, por vontade expressa da fadista, a Fundação Amália.

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Resta-me escrever sobre o derradeiro vestido de Amália; aquele que foi o mais trabalhoso, e único, nas palavras de Dona Ilda; um como não há igual. Um vestido que estreou no Japão, em 1984, com 153 metros de folhos de mousseline, grandioso. O vestido que ficou imortalizado no retrato de Luis Pinto Coelho. E que foi o escolhido, para sua mortalha, levando-o pela eternidade.

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Créditos: Direitos Reservados

 

Maria João Rafael

Consultora de Imagem

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