Tapeçaria siciliana e a identidade nacional
Beleza & Moda

Tapeçaria siciliana e a identidade nacional

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Quando se esperava que a maioria dos estilistas apostassem em coleções minimalistas e andróginas, eis que chega a coleção de Primavera/Verão 2021 de Domenico Dolce e Stefano Gabbana, a revolucionar as tendências. Com inspiração na Sicília, de onde Dolce é natural, esta coleção é inteiramente apresentada numa original manta de retalhos, desde a arte da azulejaria às texturas, até à coordenação dos diferentes tecidos e padrões.

A original inspiração desta dupla de criativos partiu do eclético e da antiquíssima história da Sicília, onde as modelos desfilaram orgulhosamente, esse passado histórico da Sicília; numa coleção denominada “Patchwork di Sicilia”, dando enfâse à qualidade do “Fatto a Mano” (feito à mão); que mostra igualmente, uma nova geração de artesãos preocupada com a moda sustentável.

 

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Com uma apresentação irrepreensível, as modelos desfilaram com ondas nos cabelos, quiçá, inspiradas nos três mares que cercam a Sicília.

A ideia de celebrar o passado e o simbolismo da própria identidade da marca, veio precisamente numa altura em que há uma insensibilidade cultural generalizada pelo passado. Conscientes dessa crise global que tem vindo a arrastar nações, a dupla Dolce & Gabbana aproveitou para enaltecer o passado histórico da marca; o passado das raízes históricas da Sicília; os artesãos; os artistas; a ideia de que “juntos somos mais fortes”, explorando a sua herança cultural.

O passado histórico da Sicília, que remonta a 10.000 anos, foi formado por povos tão díspares e antigos, como os Fenícios; os Gregos; os Vândalos; os Ostrogodos; os Bizantinos; os Árabes; os Romanos; os Normanos; os Franceses e os Espanhóis. Têm línguagem própria, reconhecida pela UNESCO, com influência do latim, do grego, do espanhol e do catalão, do francês e do árabe. É uma ilha que fala nove dialetos e foi independente durante 745 anos, até se aglutinar à Itália.

 

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Tem uma diversidade tão grande de influências culturais, que perduram até hoje na arquitetura e gastronomia. A agricultura com base nos citrinos, no azeite e no vinho, é uma referência nas coleções da marca desde sempre, com o reconhecido design das laranjas e limões.

Esta coleção voltou aos brocados, ao chiffon, à ganga, aos florais em tons vibrantes, às rendas alternadas com padrões animais, como o leopardo, aos padrões frutados e com vegetação verdejante, misturados com bolas e pintas em tons clássicos. Uma coleção onde se mistura padrões que se encontram por toda a Sicilia; em Palermo, na Catania, em Siracusa e Agrigento.

 

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A silhueta é imagem de marca da Dolce & Gabbana, ultra feminina, em ampulheta, a delinear as formas da mulher italiana. Os decotes são generosos, exibindo sem pudor, o sutiã.

Os minis vestidos e minis saias, bem como os calções, revelam a pele, que se quer bronzeada ao sol do sul.

 

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As cores ostentadas na coleção de Primavera-Verão 21, ao contrário da tendência ditada pela Pantone, que instituiu o cinzento claro e o amarelo luminoso como cores do ano; são o branco e o preto como base, o lavanda, o verde pistachio, o rosa, o baunilha, os pastéis, os azuis, o verde esmeralda, o vermelho, os dourados metalizados.

 

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Já nos acessórios, os óculos são os grandes sedutores deste verão. A marca apostou nas formas “felinas”, quadrados ou redondos, desde que oversized.

 

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As flores enormes e coloridas nos brincos e nos cabelos; assim como à volta do pescoço, como se a mulher fosse a celebração da própria primavera, são uma constante nesta mostra Siciliana.

 

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Já na bijuteria, querem-se os brincos clássicos e exagerados; pendentes nos colares, a ostentação do logo da marca bem vísivel. Os colares em cadeia, dourados, soltos nos decotes profundos.

 

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Quanto às malas e ao calçado, a pele colorida e com brilhos, em modelos clássicos, é já um hábito. As botas altas, os sapatos de salto, e as “sabrinas”, em texturas ricas e artisticamente valorizadas, invadiram a passerelle.

 

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É nos padrões aos cavaleiros, com reminiscências de antigas iluminuras, motivos naúticos, sedas rebuscadas, frutas maduras trazidas em semente de viagens e epopeias, e rendas a lembrar pedaços de mantilhas espanholas, que entramos na carga cultural que foi berço de Dolce; mas igualmente de Arquímedes e da musicalidade de Bellini.

Os italianos sabem estimar e orgulham-se do seu passado, seja ele luminoso ou sombrio. Lembro que em 2015, a Fendi foi duramente criticada pela imprensa internacional, ao mudar-se para o Palazzo della Civiltà Italiana, um marco histórico da arquitetura, e símbolo máximo da Roma fascista de Mussolini. Na época, confrontado em entrevista ao The Guardian; Pietro Beccari, o chefe-executivo da marca, teve a coragem de dizer à imprensa que “este edifício vai muito além da questão política. Para mim, não é um problema. Para os Romanos não é um problema. Para os Italianos não é um problema. É beleza. É uma obra-prima da arquitetura. Nunca o veremos através das lentes do fascismo.” O assunto que levantou o criticismo dos estrangeiros, nunca foi merecedor de qualquer atenção pelos Italianos. Beccadi referiu ainda: “retermo-nos no passado, pode prejudicar o futuro de Roma, que visualizo com optimismo.”

Desde 2015 que a Fendi se mantém no Palazzo della Civiltà Italiana, com aluguer garantido por 15 anos. Não há forasteiros que passem lições de humanidade e de moral aos Italianos; porque a história do seu país, é naturalmente assimilada com orgulho nacional, desde sempre.

Em tempos em que a globalização se tornou instantânea, e os conflitos num país com menos de 250 anos invadem a velha Europa com milhares de anos, que teve e tem inquilinos de todas as origens, raças e credos; alastrando ideias progressivas de apagarmos a nossa própria história, demolir monumentos e outras barbaridades do género; aparecem os italianos que nos dão uma lição de orgulho do passado – sombrio ou solarengo, e nos fazem a pensar no panorama do futuro, com a sabedoria da nossa história como nação.
E é por isso que elegi esta tapeçaria de retalhos da Sicília como a minha coleção Primavera-Verão 21 preferida. Porque somos o somatório dos nossos antepassados e das nossas ações, e a Dolce & Gabbana não só nos trouxe beleza e alegria para os tempos quentes, como teve a sensatez de emitir uma mensagem, numa altura de celeumas sociais, que põem em perigo a identidade nacional.

Dolce vai mais longe, dizendo numa entrevista à Vogue americana – “Inspirados na Sicília, queremos mostrar que numa ilha como a nossa, tivemos várias culturas dominantes. Estimamos e respeitamos tudo o que nos deixaram. E foi dessa ideia que fizemos esta coleção, para mostrar ao mundo o resultado do que somos!”

Bravo, bravissímo, Dolce & Gabbana!

Maria João Rafael

Consultora de Imagem

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