Um fantasma chamado Enuresis noturna
Saúde & Bem-Estar

Um fantasma chamado Enuresis noturna

Imagine que o seu rapaz de 6 anos acorda todo molhado, há mais oito meses, pelo menos duas vezes por semana sem saber como, nem porquê. Pois é, o João sente-se muito incomodado e cheio de vergonha. Não sabe como fazer para que isto não aconteça, pois, este comportamento repete-se e ele já não acredita ser capaz de acordar seco para sempre.

Entretanto o irmão Fernando de 8 anos, vizinho da cama do lado, já não se lembra da última vez que fez chichi na cama. Confessa que está um pouco farto desta situação do irmão. Sabe que ele não tem culpa, mas ao mesmo tempo não entende muito bem. Queixa-se do cheiro e da confusão que o João faz no quarto nos dias mais críticos e, às vezes da irritação da mãe.

Este assunto é um tema bem presente na família. Parece que requer reorganização, muita paciência, muito pouca zanga e julgamentos, se é que isso é possível.

Todos nós já passamos, pela fase em que fazíamos chichi na cama. Faz parte do desenvolvimento e das etapas de aquisição do controlo dos músculos da bexiga que evoluem com o desenvolvimento neuro psicomotor da criança.
Porém, sabemos que um número surpreendente de crianças não desliza por estas etapas assim de uma forma tão fácil, corrida e natural.

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Uma questão multifatorial

São várias os fatores que podem comprometer este desenvolvimento e promover a enurese:

  • Um atraso na maturação do sistema nervoso e, consequentemente, dos mecanismos que regulam a sensibilidade do cérebro à informação de que a bexiga está cheia ou da hormona que regula a produção de urina ao longo do dia.
  • Disfunções da bexiga, o tamanho ainda pequeno da bexiga pode não aguentar toda a urina produzida durante a noite; o aumento da contractilidade no músculo da parede da bexiga; constipação crónica pode influenciar o controlo da bexiga;
  • Uma revisão da alimentação é de extrema importância, pois há produtos alimentares que podem ser motivo de irritação na bexiga.
  • A predisposição genética tem a sua quota parte, pais ou avós, muitas vezes, também fizeram chichi na cama até tarde.
  • Raros problemas físicos podem estar presentes, como malformações urológicas; doenças neurológicas como lesão medula espinhal; diabetes ou infeção do trato urinário.
  • Há fatores psicológicos que podem contribuir para o problema, incluindo uma educação rígida nas idas à casa de banho, atitudes indiferentes ou negativas por parte dos pais, e acontecimentos provocadores de ansiedade na vida da criança.

Assim, é um facto que o sintoma constitui em si mesmo uma fonte de stress e tende a comprometer a autoestima da criança numa fase de desenvolvimento da sua personalidade que poderá acarretar dificuldades psicológicas no futuro.

A comorbidade pode existir em relação a hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA); doenças psiquiátricas infantis e stress psicológico.

O termo “enurese” deriva do grego e significa “fazer água” e consiste na perda involuntária de urina numa idade em que o controlo voluntário já deveria existir, ou seja, em crianças com idade superior a 5 anos. A partir desta idade, começa a ser um problema para a criança, afetando a família e constituindo um desafio para os profissionais de saúde.

A enurese pode ser primária ou secundária, primária se nunca chegou a verificar-se o controlo dos esfíncteres, secundária quando após um período de controlo se verifica uma regressão.
Atualmente a enurese é considerada exclusivamente noturna, não se aplicando o termo enurese diurna, designado agora por incontinência. A tendência é que a situação se resolva gradualmente com a idade embora possa, em casos raros, persistir até à idade adulta.

A investigação diz-nos mais de 10% das crianças entre os 5 e os 7 anos é afetada. Estima-se que mais de 5 milhões de crianças com mais de 6 anos nos USA continuam a acordar com a cama molhada (NKF home page 2013). Esta perturbação é duas a três vezes mais frequente em rapazes, estes tendem a demorar mais a controlar os esfíncteres.
Segundo a International Children´s Continence Society (ICCS) a enurese é considerada o problema urológico pediátrico mais prevalente nos Cuidados de Saúde Primários. É importante o alerta do profissional de saúde, pois, muitas vezes, é minimizado ou mesmo desvalorizado pela própria família.

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Abordagem clínica

Uma avaliação médica apropriada deve ser feita no sentido de fazer o despiste possíveis causas fisiológicas do problema.

Estão disponíveis diferentes terapêuticas com resultados satisfatórios. Numa fase inicial, a terapêutica é essencialmente comportamental. A educação na ingestão de fluidos, o reforço positivo e o treino vesical e esfincteriano.

O sistema de alarme é considerado na primeira linha de tratamento.

A Desmopressina (hormona antidiurética/ADH) é a medicação mais comum e apoia na diminuição da produção de urina. Recomendada a curto prazo, possibilita a presença nas festas de pijama, participação em acampamentos ou uso prolongado em alguns casos.

Os antidepressivos tricíclicos também podem ajudar na enurese. No entanto, dado os possíveis efeitos colaterais há maior cuidado na sua utilização.

Abordagem com hipnose clínica integrativa

Quando trabalhamos com uma criança, temos a honra de capacitá-la com uma mentalidade que irá ajudá-la para o resto da vida. Uma intervenção bem conduzida pode precaver a criança de más e até perigosas experiências de vida.
Não é de surpreender que as taxas de recaída sejam altas no gerenciamento farmacológico e nos alarmes, pois externalizam o locus de controlo. A razão do sucesso é atribuída à pílula ou à campainha.
Com a hipnoterapia a criança é capacitada com um locus de controlo interno (Julian Rotter, 1966), tomando consciência de que o cérebro controla o corpo e todos os seus sistemas. Como as crianças são extremamente recetivas às estratégias hipnóticas, os resultados são rápidos e satisfatórios e os efeitos positivos na autoestima são promissores.

É fundamental aplicar a fraseologia adequada para promover a autoconfiança. Na linguagem hipnótica as camas são chamadas de completamente secas, principalmente secas ou um pouco secas.
Com a autoestima da criança em jogo, o problema continua a ser reformulado. Explicar à criança que, por 1.439 minutos por dia, o seu cérebro e a sua bexiga fazem um excelente trabalho de equipa. Mas ainda é preciso investir naquele minuto onde a comunicação falha.

De forma adequada explica-se à criança a fisiologia da ligação cérebro-bexiga e como esta permanece durante o sono. Segundo Kohen e Olness (1997), pela explicação do funcionamento da micção à criança, alivia-se a culpa e a vergonha associada. Proporciona-se uma razão para ela pensar sobre o problema. Cria-se expectativa e motivação para a solução.

Com a imaginação, sugere-se à criança que crie um “modelo de comunicação” entre a bexiga e a mente. Podemos dar o exemplo de uma conversa telefónica entre o cérebro e a bexiga. Outra ideia poderá ser a criação de uma espécie de um guarda à porta da bexiga. A criança escolhe o personagem, podendo este ser um herói. A bexiga fica guardada durante toda a noite e é o guarda que alerta o cérebro para acordar para ir à casa de banho quando a bexiga está cheia. E a criança desenvolve a sua história metafórica.
O fortalecimento do ego, a linguagem das possibilidades são parte vital nesta abordagem.

Reprogramação mental

O cérebro é como um computador que pode ser programado para o sucesso. Depois de a criança determinar se opta por manter a bexiga cheia e calma toda a noite ou acorda para ir à casa de banho, é sugerido que a solução encontrada passe a ser configuração padrão no computador do cérebro. De qualquer modo, a solução alternativa pode ser programada pela criança como um backup.

Durante o transe, a criança ensaia ambos os cenários na sua imaginação, gravando-os como uma “maneira de reprogramar a mente”. O ensaio mental continua ao acordar pela manhã, gravando as sensações de estar seco e orgulhoso.

A utilização da técnica de visualização é poderosa em associar e gravar sentimentos bons e positivos em relação a um momento no futuro onde a criança se vê em situações impossibilitadas pelo problema.
Manter um calendário de sucesso é importante. Isso ajuda as crianças a visualizar o seu progresso e incentiva o sucesso futuro. Em transe, a criança pode imaginar o calendário repleto de carinhas felizes ou adesivos.
A criança é ensinada a praticar auto-hipnose diária, adaptada à sua idade para reforço.

Soluções comportamentais no processo

  • Saco cama reserva, caso molhe a cama opta pelo saco cama e não pela cama dos pais.
  • Lanterna/ luz de presença, apoia no desafio do medo do escuro durante a noite.
  • Estimular ingestão de líquidos matinal para reconhecer a sensação bexiga cheia.
  • Parar a ingestão de líquidos até, pelo menos duas horas antes de irem para a cama.
  • Incentivar a criança a ser “dona do problema”; colocá-la estrategicamente a procurar soluções.
  • A criança é responsável por mudar os seus lençóis sem que isso represente um castigo.
  • Utilizar um sistema de prémios por cada noite seca.
  • Desencorajar o uso de cueca/fralda para manter o desconforto da humidade.
  • Elogiar e celebrar com recompensas cada noite seca. Envolver a família nesta celebração, principalmente irmãos para amenizar qualquer ciúme adicional.
  • Alterar a forma como a criança dorme, para que a partir daquele dia, tenha uma nova sensação associada ao sono. Ex: se a criança dormia com uma almofada, passa a dormir com duas; arranjar pijamas novos; arranje novos lençóis diferente dos antigos; mude o layout físico, alterando a disposição dos móveis do quarto.
  • Estas abordagens integrativas promovem o fortalecimento do sistema nervoso da criança e a sua autoestima.
  • eram confiança e esperança, possibilitando a criação de novas crenças positivas. Aceleram processos e trabalham a reprogramação mental, por conseguinte são muito eficazes e geram mudança.

 

Isabel Rebelo

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