Emigrei. E a saudade?
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Emigrei. E a saudade?

train_railMas porquê mudar? O que leva à mudança? Mudar é transformar um estado, alterar um modelo, uma dinâmica, pode ser também trocar algo de lugar, posicionar de forma diferente, é escolher! Mudar no meu ver é preciso, é regenerar antigas condições, é transformar e construir algo novo, modificar o que não está bem, o que não se gosta em algo para melhor – esse é o maior objetivo da mudança, seja ela de que género for, desde um objeto até um comportamento… Faz com que se quebre rotinas, se ameacem velhos hábitos, se rompa com o passado e se abram portas para o futuro. Existem mudanças que nos acontecem sem querermos, sem as escolhermos, e essas custam mais ainda… Uma obrigação paira no ar, há sempre muita resistência e até desistências.
Toda a mudança é difícil, mesmo que cause imensa dor ou prazer. Embora sendo o prazer a opção que seria a melhor escolha, nem sempre está imune à dor da mudança. O ser humano tem nela uma perspectiva de mutação do seu eu real para um imaginário, e parte-se para a construção ou reconstrução desse mesmo eu, porém, para se mudar a maneira de ser e de estar, só mesmo um choque pode fazer que esse movimento se instale e não seja aparente ou temporário! Muda-se tanto ao longo da vida que as vezes é tão subtil que nem damos por isso, mas as vezes mudamos muito e drasticamente, por motivos alienados à nossa vontade. Mudamos desde a maneira de pensar, agir, de ver o mundo até posteriormente de como o mundo nos vê. Mudamos em diversos aspectos: mudamos de roupa, de postura, de gostos… mudamos de casa, de emprego, de escola. Mudamos de país! E o que nos leva a ir embora daquele que nos viu nascer? Por vezes somos levados pelos nossos pais, ou representantes legais, enfim, que pelos mais variados motivos ou necessidades se mudam, e nos levam junto, sem podermos sequer dizer nossa opinião, afinal ela esta fechada na “mala da mudança”… outras vezes somos nós próprios que fazemos esse movimento de mudança. Somos nós que vamos embora pelos nossos pés e vontade, muitas dessas vezes para acompanhar cônjuges, amigos, em busca de trabalho, de estudos. Mas sempre com uma ambição que todos, mas mesmo todos temos: a satisfação de nossos desejos e Freud já mencionava isso há muitos e muitos anos e leituras atrás. Realização de sonhos, de projetos de vida, incluem outros agregados ou não, realização financeira ou simplesmente pessoal e emocional são desejos inerentes à raça humana que tem a insatisfação associada a sua natureza… Portanto, se algo nos levou a mudar, seja por este ou aquele motivo, todos têm o seu grau de dificuldade. Todos têm o seu preço… Custe dias, meses, anos ou a vida toda.

E tudo começa assim,
em busca de um sonho!
A primeira fase de todas é a que definitivamente vale muito a pena e que gera tudo. é a fase embrionária onde se moldam os tais sonhos, onde estes se criam e são visualizados! Correr atrás, investir no sonho e torná-lo realidade!
Depois vêm os obstáculos de implantação, que é de fato pôr os sonhos em prática, e o primeiro grande obstáculo para se estabelecer num outro país, pode ser o visto de permanência, seja de estudo ou trabalho, qualquer um pode ser no mínimo trabalhoso de se obter. Com sua permanência assegurada, existem outros aspectos de máxima importância, como a própria residência, ou seja, uma casa pra morar, quer sozinho quer acompanhado, família ou com amigos, é um bem essencial. Para muitos é o contrário. Primeiro vem a casa, depois o visto, mas acreditem, a ordem não altera a morosidade difícil da burocracia para se ter tudo resolvido!
De seguida vem a situação laboral. Sim, porque sem emprego tem que se ter uma situação financeira estável, caso contrário tem que se tratar disso com a maior brevidade. Por outro lado, se já se tem um emprego em vista ou nas mãos, partimos para outra situação que é a escola dos filhos ou até mesmo a sua própria. Mais uma data de burocracia. Tanta responsabilidade que nem cabe numa dezena de “malas”!!! Logo após, vêm aspetos infinitos, seguros por exemplo, os de saúde (em muitos países são vitais para se poder viver com a mínima segurança, afinal a saúde vale mais que ouro e pode ser bem caro mantê-la). Documentação, carta de condução e até mesmo a locomoção são obstáculos a serem ultrapassados. E surgem alguns aspectos, creio que, da maior relevância psicossocial e de muito constrangimento para alguns – a aceitação. Estar-se noutro lugar tão cheio de cultura e hábitos seguramente diferentes dos seus, a discriminação sofrida, infelizmente por parte dos nativos e com isso resultando em rejeição, mas sobre isso falaremos noutra oportunidade. Outro fator sempre preocupante é o meio de comunicação. Muitas das vezes a língua falada pode ser o seu maior empecilho! É assustador morar onde não se fala mais que um bom dia e um obrigado, afinal comunicar-se é básico, mas como tudo o que se faz é urgente, dá-se um jeito! Tudo isso resolvido, tem-se casa, emprego, escola, seguros, saúde, fala-se minimamente ou pelo menos comunica-se minimamente, situação financeira amparada, vem a parte mais dolorosa e essa toca numa zona bem difícil de se remediar – o coração! Só compreende quem vive fora e sabe o que é a dor da saudade, palavra doce de sabor tão amargo. Como faz falta ter os seus… Familiares por perto, amigos, a comidinha lá de casa, às vezes faltam temperos e ingredientes que tanto nos acalentavam o paladar e a alma… A falta do clima, sim a metereologia mexe com o estado de humor das pessoas, falta dos ambientes antes frequentados, hábitos de uma vida inteira. A falta que faz a sua rua, até aqueles vizinhos menos amigáveis, os programas de TV, os jornais, o falar a sua língua materna… Tudo faz falta e tudo pode se tornar desinteressante quando não se compreende o que está a ser veiculado. Enfim, toda a sua cultura abandonada e no entanto enraízada dentro de si e toda uma nova a ser assimilada…. O que teve que deixar pois não coube na “bagagem”… Do que teve que se desfazer para poder ir de viagem… Isso tudo dói e dói muito… Atenua-se, mas nunca se apaga. Qualquer coisa pode ser alvo da saudade implacável. São cortes emocionais que podem deixar frustrações eternas passíveis de muita análise para compreendê-las e aceitá-las… Análises feitas às vezes somente na almofada, naquela horinha que ninguém nos vê e nem nos critica. Afinal foi você quem escolheu mudar e tudo isso faz parte dessa missão! Muita gente acha glamoroso ir morar fora, mas nem toda gente percebe os reais motivos de se largar tudo e ir embora… Muitas vezes não há nada de “glamour” nisso… Outras têm paixão! Há quem se mude para viver um grande amor, não para fazer fortuna, nem mesmo só para melhorar de vida, nem tão pouco para estudar e se formar, mas sim, por amor! Porque a sua cara metade estava do outro lado do mapa…e geograficamente a distância era insuportável… Coisas que tocam mais uma vez aquela zona complicada – o coração…
Continua na próxima edição

 

Por: Patricia Salin

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