A Máscara
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A Máscara

Este título aparentemente despretensioso para mais um artigo para a Revista Amar, fez-me recordar o filme com o mesmo nome, interpretado de uma forma brilhante por Jim Carrey. A vida de um tímido e socialmente desajeitado bancário muda, quando encontra no mar uma certa máscara, a qual possui superpoderes, sempre que a usa, o personagem transforma-se por completo. Escrever sobre o poder e a importância da máscara ao longo dos tempos, a sua função foi-se adaptando a novos contextos, nas celebrações consagradas ao Deus Dionísio, no teatro, na comédia e na tragédia gregas, nas arenas durante o pão circo do Império Romano, na Idade Média durante a Peste Negra como proteção ao contágio, nos bailes das cortes europeias no séc. XVIII, ocultando a identidade e adensando o mistério, na 1ª Guerra Mundial como defesa para os gaseamentos nas trincheiras, hoje em dia como proteção contra a pandemia. A máscara voltou a entrar no nosso quotidiano por uma imperiosa necessidade, contudo pretendo partilhar o uso da máscara num contexto muito particular, no Carnaval. Considerada uma festividade profana entre os Reis e a Quaresma, tem o seu auge nos três dias que antecedem a quarta-feira de cinzas. A origem etimológica da palavra Carnaval sempre esteve envolta em polémica, para uns, teria origem na terça-feira gorda, dia em que começava a proibição de ingestão de carne decretada pela Igreja, como preparação para a Páscoa. Outros procuravam no latim a explicação para o vocábulo: carnelevamen, depois carne, vale (“adeus, carne”). Carnelevamen pode significar igualmente carnis levamen, “prazer da carne”, antes das abstinências e prescrições que marcam a Quaresma.

revista amar - A Máscara - Centro Interpretativo da Máscara Ibérica
Centro Interpretativo da Máscara Ibérica – Créditos © PortoeNorte

 

A máscara é considerada um adereço genuíno e indispensável em determinados entrudos em Portugal. Proponho então uma viagem pelo CIMI – Centro Interpretativo da Máscara Ibérica inaugurada em Lazarim – Lamego, abriu as suas portas em janeiro de 2016, uma das capitais do entrudo mais tradicionais de Portugal. Logo à entrada uma frase lapidar do antropólogo e etnólogo Benjamim Enes Pereira dá o mote para a visita:

“A máscara é um elemento que, temporal e espacialmente, conhece uma enorme representação e um universalismo que nenhum outro testemunho material da cultura humana iguala.”

revista amar - A Máscara - Centro Interpretativo da Máscara Ibérica - CIMI - Expoisção
Centro Interpretativo da Máscara Ibérica – Créditos © PortoeNorte

 

Um desfilar de máscaras, caretos, diabos e trajes tradicionais representativos de várias regiões de Portugal e Espanha. Dois países que partilham rituais muito próprios na celebração do entrudo, nessa efusiva manifestação cultural, o uso da máscara ocupa lugar destaque na ocultação dos diabretes ocasionais, seres capazes de esconjurar todos os males e subverter os papéis sociais da comunidade. Em Lazarim durante a terça-feira de Carnaval, no centro da localidade, dois jovens, um rapaz e uma rapariga representam a mocidade fazendo a leitura do testamento da comadre e do compadre. Uma oportunidade única para criticar comportamentos com referências eminentemente jocosas e às vezes escabrosas. Como diria Gil Vicente “rindo se castigam os costumes”.

Testamento da Comadre

[ uma rapaz da vila lê o testamento a uma rapariga ]

Olá queridas comadres
Olá grandes feiticeiras
Cá estamos mais uma vez
Para vos tirar as peneiras.

Sois todas umas cadelas
Quase me matais de fome
Senão tivesse vergonha
Tratava-vos por outro nome.

Hoje em dia as raparigas
São de lhe tirar o chapéu
Se lhes tirarmos os trapos
Ficam com os podres ao léu.

[excerto do Testamento da Comadre de 2000]

revista amar - A Máscara - Careto Lazarim Adão de Castro Almeida
Adão Castro Almeida – Créditos © Arte Popular Portuguesa

 

Testamento do Compadre

[ uma rapariga da vila lê o testamento a um rapaz ]

Quando tocares no apito
Não o mostres a ninguém
Apenas à namorada
Para ela o tocar também.

Alguns metem nojo
Com o paleio que têm
Se isto é tão ruim
Porque diabo cá vêm.

De vós me vou despedir
Ó grande rapaziada
Não gostais de raparigas
Juntos fazeis marmelada.

[excerto do Testamento do Compadre de 2000]

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Caretos no Entrudo de Lazarim – Créditos © Notícias de Viseu

 

Durante a leitura dos testamentos dá-se o desfile de caretos, as máscaras talhadas em madeira de amieiro fazem as delícias dos forasteiros. Uma arte enraizada na população de Lazarim, preservada graças ao trabalho de inúmeros artesãos nas suas oficinas caseiras, bem como na oficina sediada no CIMI – Centro Interpretativo da Máscara Ibérica. (https://m.youtube.com/watch?v=LkDmO0NF)

revista amar - A Máscara - Careto de Lazarim
Careto de Lazarim – Créditos © Hugo Amaral / Observador

 

Este entrudo tradicional em Lazarim merece uma visita demorada, a vila fica encaixada entre montanhas, paredes meias com o Alto Douro Vinhateiro, possui um conjunto de percursos pedestres soberbos. Numa lista aparentemente simples podemos encontrar os seguintes percursos:

  • O percurso pedestre da Serra das Meadas;
  • O percurso do Vinho do Porto;
  • O percurso de Terras de D. Pedro Afonso;
  • O percurso da Anta de Mazes;
  • Outro dos percursos pedestres é o de Balsemão.

Eu destacaria o percurso D. Pedro Afonso com passagens em freguesias do concelho de Lamego, tais como; Lalim, Lazarim, Meijinhos e Melcões. O nome deste percurso deve-se a D. Pedro Afonso, Conde de Barcelos (séc. XIII/XIV) filho ilegítimo de D. Dinis, O Lavrador, e de Graça Anes, uma jovem de Torres Vedras. D. Pedro terá feito dos Paços de Lalim a sua residência. Aqui escreveu as suas trovas de amor e o seu livro de linhagens. Morreu em 1354. Está sepultado no Convento de S. João de Tarouca. Neste percurso, podemos ainda visualizar a belíssima igreja paroquial de Meijinhos que fica situada no topo do Outeiro.
Caso a meteorologia em fevereiro seja madrasta para passeios fora de portas, sempre o ilustre visitante poderá fazer uma visita demorada ao CIMI – Centro Interpretativo da Máscara Ibérica dentro de portas. Termino com uma frase de Pauline Harvey, “O que resta de nós quando levantarmos todas as máscaras?”

Carlos Cruchinho

Licenciado no ensino da História e Ciências Sociais

Bibliografia consultada:

• https://www.infopedia.pt/$carnaval
• http://pimentanegra.blogspot.com/2007/02/o-carnaval-e-os-caretos-de-lazarim.html
• https://m.youtube.com/watch?v=LkDmO0NF
• https://www.cm-lamego.pt/turismo/percursos-pedestres
• Fig.1 – http://www.portoenorte.pt/pt/o-que-fazer/centro-interpretativo-da-mascara-iberica/
• Fig.2 – http://www.portoenorte.pt/pt/o-que-fazer/centro-interpretativo-da-mascara-iberica/
• Fig.3 – http://www.artepopularportuguesa.org/bio-adao-almeida/
• Fig.4 – https://www.noticiasdeviseu.com/entrudo-de-lazarim-atrai-milhares-para-ver-os-caretos/
• Fig.5 – https://observador.pt/2017/02/28/lazarim-a-aldeia-guardia-da-mascara-iberica/

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