Fugas na primavera
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Fugas na primavera

Fugas na primavera - kleinburg - ontario - manuela marujo
Casa situada na rua principal de Kleinburg – Créditos © Manuela Marujo

 

A cidade de Toronto brinda-nos com parques, ravinas e outros espaços verdes por onde se pode circular e que nos ajudam a esquecer o bulício e poluição associados à grande cidade. Num dia de sol, procurar desfrutar dos benefícios que a natureza nos oferece está ao alcance da maioria das pessoas, sem grande esforço ou despesa.

Para quem puder sair de carro, achamos, no entanto, muitos lugares atraentes para descobrir se quisermos visitar uma das muitas aldeias ou pequenas vilas que proliferam pelos arredores. Encontramo-las à beira do grande lago Ontário, localizadas próximo dum outro lago menor, junto dum rio ou no campo. Com bom tempo, ir à descoberta dum desses lugares históricos é uma opção para ocupar uma tarde ou um dia livre.

Logo nos primeiros anos a viver em Toronto, uns amigos levaram-me a visitar uma pequena aldeia chamada Kleinburg, situada na continuação da movimentada Islington Avenue. A cerca de 40km a norte do centro da cidade, fica localizada no curso do Humber River, numa zona alta (o nome da aldeia parece ter origem nas palavras alemãs “klein berg”- pequena montanha) e desenvolveu-se graças à construção de vários tipos de moinhos que enriqueceram os primeiros proprietários da zona.

 

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Casa Museu Pierre Berton – Créditos © Manuela Marujo
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Comércio na rua principal de Kleinburg – Créditos © Manuela Marujo

 

A boa impressão que Kleinburg logo me causou, fez-me voltar muitas vezes. Soube que o falecido Pierre Berton, um autor canadiano muito popular que escrevia sobre a História do Canadá, entre os mais de 30 livros publicados, jornalista, repórter e realizador de cinema, tinha ali a sua casa. Outros canadianos famosos cujos nomes estão ligados àquela aldeia idílica são: a família de Lester Pearson, por exemplo, ali estabelecida desde 1894, e o dono da editora mais conhecida em todo o país – os McClelland. Pode afirmar-se ser uma aldeia muito anglófona, tradicional e que fascina visitantes curiosos.

A maior atração de Kleinburg, porém, é o museu “McMichael Canadian Art Collection” que alberga, desde 1966, uma das mais famosas e completas coleções de pinturas do “Grupo dos Sete” e obras de arte dos povos aborígenes. A sua localização numa enorme propriedade com jardins e bosques bem cuidados, proporciona caminhadas nas trilhas. Outro conhecido parque florestal nas proximidades de Kleinburg é o Kortwright Conservation Center onde na primavera se pode ir observar a extração do ácer e provar as típicas panquecas regadas pelo delicioso “maple syrup”.

 

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Arte indígena no jardim da McMichael – Créditos © Manuela Marujo
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Norval Mourriseau (1932-2007) – Créditos © Manuela Marujo
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Norval Mourrisseau representado na McMichael – Créditos © Manuela Marujo
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Lauren Harris do Grupo dos 7, sepultado em Kleinburg – Créditos © Manuela Marujo

 

Sempre que vou a Kleinburg, gosto de passear na rua principal, entrar nas pequenas galerias de arte e conhecer o artesanato local. A arquitetura das casas bem cuidadas, típica dos anos cinquenta, a igreja e o pequeno museu são também de interesse para mim. Durante anos, acabava o meu passeio, invariavelmente, a lanchar na “Doctor’s House”, um salão de chá com mesinhas numa sala acolhedora e também sob os caramanchões do jardim. Ali serviam um “high tea” em forma de buffet: scones, bolinhos variados, compotas e outras gulodices, chás diversos assim como café. Achava tudo delicioso, feito à nossa vista na cozinha, donde vinha o cheirinho a canela e de outras especiarias.

Nestes últimos anos, Keinburg tem sofrido grandes mudanças. Foram construídas mansões luxuosas, em extensas propriedades à volta da aldeia, e dezenas de casarões em bairros exclusivos. A grande proximidade a Toronto combinada com a harmonia da localização nos espaços verdejantes são vantagens de que famílias com recursos podem beneficiar. Inevitavelmente, comércio variado, como supermercados, bombas de gasolina e outros serviços estão a descaracterizar a área. Na rua principal encontram-se agora spas, boutiques e lojas de produtos “gourmet”.

 

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O tradicionalismo está ainda patente na aldeia – Créditos © Manuela Marujo
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Créditos © Manuela Marujo

 

Ao passar por Kleinburg, há poucos dias, senti saudades do salão de chá, substituído por um dos cafés de cadeias que se multiplicam em qualquer lugar do Canadá. Reparei que o edifício da “United Church” foi transformado em casa-museu Pierre Berton, homenageando assim o grande divulgador da história canadiana. Passei ao largo do espaço privilegiado da McMichael Canadian Art Colleccion, com as portas cerradas devido à situação de pandemia em que vivemos, e senti um vazio profundo.

Mais do que nunca, este é o tempo para refletirmos como tudo é transitório e reconhecer a necessidade de aproveitar para fugir da cidade e desfrutar do que se nos oferece de belo enquanto dura. A primavera, o sol e as temperaturas mais suaves convidam-nos a pequenas fugas – vamos!

Manuel Marujo

Professora Emérita da Universidade de Toronto

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